terça-feira, 28 de agosto de 2012

Farfalhar de asas

O que é meu neste quarto imenso?
Nem mesmo o tanto que me guardo me pertence
Não tenho brasas, nem vícios, nem cinzas,
Pois o pombo grunhidor nunca servirá ao agouro
O que é meu desse barulho, calmo ouro?
Como o marulho que pertence a pia, a torneira
Ou o pio, de quem contorna matreira,
É da criança que, no esporro adulto, brinca,
Vira passarinho
Não tenho cara, nem moeda para jogar ao alto
Não tenho caverna e essa luz me cega
Não há razão para tanto tanto tanto solto
Se eu nem sei o que de mim está na cela
Eu não sou medo, angustia, tristeza...
Pois reconhecemos logo suas faces
Não sou felicidade, bravura, sonho...
Pois abraçamos somente o cheiro dessas flores
Sou a charada insolucionável do sorriso
Que passa fugazmente na certeza dos bossais.


André Vargas

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Adolescente


A juventude de mil ocupações. 
Estudamos gramática até ficar zonzos. 
A mim me expulsaram do quinto ano 
e fui entupir os cárceres de Moscou. 
Em nosso pequeno mundo caseiro 
brotam pelos divãs 
poetas de melenas fartas. 
Que esperar desses líricos bichanos? 
Eu, no entanto, 
aprendi a amar no cárcere. 
Que vale comparado com isto 
a tristeza dos bosques de Boulogne? 
Que valem comparados com isto 
suspirosante a paisagem do mar? 
Eu, pois, 
me enamorei da janelinha da cela 103 
da "oficina de pompas fúnebres". 
Há gente que vê o sol todos os dias 
e se enche de presunção. 
"Não valem muito esses raiozinhos" 
dizem. 
Eu, então, 
por um raiozinho de sol amarelo 
dançando em minha parede 
teria dado todo um mundo.

(
Vladimir Maiakovski)