sábado, 29 de outubro de 2011

Em torno do eixo

a mente se perdeu,
levitou acima da cabeça,
correu longe
com pernas fortíssimas
até chegar num ponto.

passeia,
olha,
sente,
escuta,
mas não cheira.

e quando o perdido
está para terminar,
volta.
como vôo de um pássaro
suave a planar.

e voltando ao seu lugar,
já não sabe mais onde.

pensamentos flutuam,
passeiam perto,
perdidos entre outros
paralelos,
se perdem.

olhou pela janela
e não reconhecia.
mais 5 segundos,
desembaça a vista.
ah! já sei...

e volta ao mundo real.
real?
seria mesmo real?
e se perde outra vez.

Lívia Frias

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Palhaço

Uma calça de losango coloridos
Com a boca balonê em baixo
Aí com uma meia por cima
Um sapato da hora
Suspensório
Uma camiseta branca
Cara pintada
Nariz nos conformes
e muita alegria.




Caio Vargas

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Xô vê...

A calçada

A poça d’água

A barra da calça molhada

As pessoas apressadas

Os guarda-chuvas em duas tomadas

Em cima guardam chuva

Em baixo, pensamentos

Vento

Homens de casacos

Mulheres de jaqueta

A criança e o passatempo

O bebê de toca rosa

Cachecol, capa e sobretudo

Um surdo-mudo falando sozinho

Um segundo de passarinho

Mulheres de minissaia

Pernas gordas respingadas

Arte temporal

Varizes e gotas de lama

Sandálias

Pés imundos

Esmaltes descascados

Calçados cansados

Mocassins

E afins

Inundação num segundo

É riqueza para se olhar

Lixo se joga no chão

Boneca a nadar

Sem os braços

Rato morto

Saco plástico

Água entrando na escola

Garota cheirando cola

Viaduto

Adulto

Maluco

Bêbado babando

Bando de trombadinhas

Trombam nas senhorinhas

Moleque a se divertir

Velha debaixo da árvore

Casca de batata pirata

Caminhão que escolhe

Molha quem se encolhe

Xingos

Mendigos dormindo

Risadas

Buzinas, silêncio do mundo

Passarela

Passa ela

Por cima da rua

Quase nua

E está frio

Vai garota do centro do Rio

Arrepio

E ela vê

E ela passa

Como o que é bom

Escada carcomida

Ferrugem nas veias da cidade

Camelô

Lonas azuis

Almas à prova d'água

Pistolas de bolha de sabão

Olha o pesado

Pesadelo

Bicicleta do velho sem emprego

Restaurante de pobre comer

A comida é joelho frio

Chinês sujo

Unha preta

Dente amarelo

Um suco de caju quente

Para empurrar a massa

Entornar no balcão

Molhar a palavra

Encharcar a sede

Inundar a alma

E, então, dizer:

- Até que é bom!

- Até que é bom!

- Até que é bom...

Chover.



André Vargas

domingo, 23 de outubro de 2011

Brincantes, por favor

meus senhores oficiais,
aos aboios, às ayabás:
auê nos olhos da moreninha
algum mal não está partindo
e faz de seu lamento, perna.

dos senhores oficiais,
a autoridade das rabecas
pifes pandeiros alfaias
é paterna.

para casos de perda
fraqueza ou festa
é favor fazer roda
homem e mulher
todos adentro
os devidos bons cumprimentos
boa noite, todos

mães, tias, donas,
meninas
licença para as flores
para as saias, palmas e cantores

eu também vou ralar coco
eu também vou pisar o coco
pegar rapaz e umbigar
tudo o que seu mestre tocar

para os casos supracitados
acredito
também
no solo, no par e no cordão
bote essa menina pra dançar
que sozinho o corpo reza
para fins de proteção


Nenheu neves

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O Bêbado

Ele parou no tropeço
Sacudindo um nada
Aplaudindo o avesso
Do sopé da escada
Balburdeia as flores
Bombardeia as fadas
Num mundo sem cores
Pra cair em si
Lembrar das dores
E concluir
Que passou.


Caio Vargas

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O contador de histórias

Inventava na hora. Seus ouvintes eram sempre individuais e na maioria das vezes mulheres, não que um complete o outro, claro, mas as mulheres, mesmo as solitárias, possuem um talento esquisito pra ouvir as coisas. E ele se aproveitava disso. Roberto tinha 35 anos e não sabia o que era trabalho há algum tempo, passava suas tardes inteiras gastando seu riocard, a única coisa de valor que lhe sobrara, contando histórias para passageiros cabisbaixos, com o rosto de quem tinha pouca atenção na vida. E tudo começava assim, sem atenção. Roberto entrava no ônibus, sentava ao lado de quem quer que fosse e começava a falar. E falava! Quando percebiam, seus ouvintes já eram realmente ouvintes, presos às peripécias de um herói, aos maus bocados de algum menino ou então a algumas mentiras envolvendo a si próprio, o que os espantava logo. Roberto vivia bem com isso. O que importava mesmo era que as histórias ficassem boas o bastante para parecer verdade, para que no fim do dia pudesse recostar sua cabeça no travesseiro magro e lembrar dos contos sem que pudesse ter algum desgosto daquilo. Numa sexta-feira, depois de ter encantado os ouvidos de alguma moça solitária, Roberto, antes que pudesse chegar à porta do ônibus, teve um susto com a parada repentina da máquina, que anunciava para todos que não sairia dali tão cedo. O tempo de reação foi curto, e antes que todos os passageiros soubessem do enguiço, já se ouvia no ar uma história. Dessa vez era diferente, todos escutavam Roberto com um prazer quase inexplicável, parecia que o enguiço tinha feito do homem a única opção de um momento bom. E que momento. Roberto contava histórias como ninguém, sua voz parecia reger as emoções dos passageiros, que já tinham virado platéia. As moças solitárias faziam par com as palavras, os fones de ouvido foram derrubados pelos acontecimentos e todos choravam, aplaudiam a cada reviravolta contada por Roberto. O ronco voltou, mas já tinha sido tempo o bastante para que tudo tivesse mudado. A platéia já prendia sua atenção ao mundo pela janela, cada recostada em cada travesseiro magro, naquela noite, seria como as de Roberto, com todo o orgulho, com toda a imaginação, com toda lembrança e com toda beleza de que são feitas as histórias.




Caio Vargas

Soneto - Queixas e deixas

Ela me deixa dormindo
Mal sabe ela que me deixa sonhando
Ela me deixa um pouquinho
A cada vez que nos falamos.

Ela me deixa e é só
Como só, eu me vejo sem ela
Ela me deixa e eu fico
A colher vida da janela.

Ela se queixa de mim
Da minha frieza, dela é o calor!
Ela se queixa de qualquer outra forma de amor.

Eu a deixo me deixar, deixo-a me dizer
Quanto mais eu puder sonhar
Mais eu tenho a lhe querer.



André Vargas

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Outono

Eu não havia dormido em casa aquela noite. Fui me esquecer na casa de um desconhecido, até hoje não me recordo bem o nome dele. Estava revoltada com tudo que andava acontecendo. Foi muito mais fácil contar a ele meus problemas, minhas angústias, ele me ouviu bem. Até porque depois dali, seríamos mais ninguém, nem para um nem para o outro. Ele me deu a companhia, os ouvidos que eu queria e eu a ele, dei meu corpo.
No dia seguinte, resolvi voltar para casa. Ao colocar os pés onde me pertencia e fazer um baita barulho ao entrar, batendo com força o portão de metal, ouço meu pai gritar da cozinha perguntando se eu havia errado o caminho.
Entrei sem falar e fui direto ao meu quarto. Tudo estava no mesmo lugar. Parecia que o tempo não havia passado. Eu não queria estar ali.
Olhar de novo aquelas paredes me fazia lembrar tudo o que eu me forçava a esquecer, era de sufocar. E pra onde mais fugir?
Sem dinheiro, sem profissão. Ao menos tivesse cultivado mais amores e amigos, haveria ao menos um canto para me recolher. Mas nem isso eu tinha.
Aquela noite em que fugi não parava de voltar à cabeça, como um cd arranhado, que repete um trecho da música 300 vezes se você não der stop. Eu não tinha saída.
E ao perceber a minha situação, caí ao chão com falta de ar de tanto soluçar. Chorei feito criança. Estava largada no chão, sem mais esperanças naquele quarto escuro, onde esperava por mais uma noite de abuso e sofrimento.

Lívia Frias

Ela e o Vento

Ela e o vento eram inseparáveis
Conversando sem trocar palavras
Se tocando de uma maneira divina
Na qual perdia-se as travas
Até que a calmaria cruzou a esquina
E acabou com o assunto
Na solidão a menina
Na saudade do conjunto
Saudade das coisas que o vento dizia nos cachos dela
Como a força do ar dizia tudo sem fala
E o choro que não dava trela
Incrível como a tarde cala
Até que alguém apaga a vela
E um tufão tagarela
Chega pra lhe encher de vida
E bagunçar sua sala.


Caio Vargas

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Beleza do Ser

Ser feliz é simplesmente ser

O que você quiser!

Que faça os outros felizes

E acima de tudo você


Ser verdade

Sem vaidade por si só

Serenidade

E um pouco de dó

Dó maior


Guilherme Braga

Livrar

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Cem no chão - um conto na mão

Achei uma nota de cem na rua. Esperei para ver se o dono vinha. Não veio. É minha! Andei mais uns oito passos e comprei um maço de importado. Nicotina de qualidade, não vende no posto Ipiranga. Larguei daquela mocréia e paguei uma mais cara, e a cara era perfeita. Parecia artista da Globo! E era uma danada. Sabia o que fazia e fazia com gosto. Mas um galo, com essa dona, fugiu do meu achado. Guardei o outro galo no bolso. Estou magnata e tudo é breve. Mas mantenho um sorriso leve. E um olhar retardado no rosto. A chuva parou e o sol apareceu. Quem sabe? Fui à praia! Nem gosto, mas fui... Com meus óculos escuros de ver bundas sem virar o pescoço. Elas não percebem, mas sentem... Sei que sentem. Eu como com os olhos e sou olho grande! Ganhei cerveja de graça da dona da barraca e o Mate Leão estava três por cinco. A água do mar estava morna e cristalina, nem precisava urinar. O mijo era luxo excedente. A vida estava um brinco e eu queria era brincar. Meu bronze ficou no tom. Voltei para casa e o almoço estava pronto e quente. Cheirava a delícia e acompanhava uma aguardente. O banho era quente e a cama era só minha. Beleza de nota de cem que alguém ficou sem! Que culpa eu tinha? Se eu um dia achar um conto no chão aí é que fico bamba. Viro empresário. E paro de escrever. Afinal, um conto já estaria pronto e na manga.


André Vargas

Seja bem vinda!


Dor no peito, palpitações, suor nas mãos. Já é anunciada a partida. Ela é pega de surpresa. Já está na hora? Tão cedo! Logo hoje! O doutor avisou há umas semanas atrás, ela jurava que era a mulher maravilha, desse mal ela não padeceria. Sentença decretada, fato consumado. Pouco tempo para despedida, sem palavras para despedida, e nem pensou em roupa para a partida. Mas chegou tão rápido, ela pensou. Pensou que teria mais dias, ainda diria aquelas palavras, pediria aqueles perdões, pagaria aquelas dívidas. O que fazer com as contas para pagar? Com a roupa para lavar? Com as unhas para pintar? Tantas miudices! Tantos detalhezinhos dessa vidinha tão medíocre, antes tão importantes, tão em cima da hora, tão imprescindíveis, e hoje, perdem a urgência, perdem a necessidade. Seu único desejo era que quando a hora chegasse não estivesse sozinha, mas o marido tinha uma reunião importante, a filha tinha aula de ballet, o filho tinha prova na faculdade. Quem poderia suspeitar que a hora dela fosse logo agora. Ela percebe como a vida continua. Enquanto ela espera pela bendita o mundo a sua volta se movimenta, e vai continuar a rodar quando ela se for. Os filhos vão crescer, os velhos vão envelhecer, a poluição vai aumentar, a dívida externa vai subir, os cães vão latir, flores desabrochar, a temperatura vai subir e depois diminuir, o mundo ainda vai viver, em seu curso normal. Nada vai se alterar com sua partida. Ninguém vai parar por ela, as reuniões ainda serão importantes, as aulas de ballet imperdíveis, e as provas inadiáveis. Ao constatar tamanho vazio, torceu por um fim. Nenhuma história para contar, nem fotos e nem fatos. Quando ela se deu conta, sua insignificância a engolira. Sua miudeza perante a vida a havia levado embora, não havia sobrado nada. E enfim, confortou-se, era então, bem vinda aquela visita.

Nathália Godoy

domingo, 16 de outubro de 2011

Intimidade

Uma varinha

De dar em lombo de guri

Treme antes de sair

Da árvore.


E o guri

De levar varinhada no lombo

Treme ao subir(fugindo) no tronco

Da árvore.


Árvore de fugir

Árvore de penalizar

Intimidade no amor é conhecer quem te faz chorar.


É o tremer temendo - das pernas

E o tremendo temer - das folhas

Intimidade no amor é o castigo escolher

Que doa!




André Vargas

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Contagem regressiva

Décimo andar. Aponta o ponteiro. Eu moro aqui. Escolhi esse apartamento, pois nessa altura o vento é mais forte e frio. As portas se debatem e, tremem de medo, as janelas. O ronco vultoso de Deus me mantinha acordado. Vivo. Ainda. Ah, as grandiosas Janelas! Meu caprichoso capricho! Não sei como cheguei a elas. Arrepio.

Nono andar. Descemos bem devagar. Como os últimos dias úteis, que me furtavam a vida aos poucos. Inúteis como somar. Nesse andar morava um saxofonista. Ele tocava antes de chorar. Mas chorava mais alto e bonito. Pobre homem, pobre homem! Essa canção tão batida.

Oitavo andar. Andar dos cachorros. As donas - todas iguais - sempre se juntavam nas reuniões. Sentiam-se fortes como dobermans e em seus colos, poodles! Faziam reivindicações. Latiam. Rosnavam. Mordiam. Todas num só andar. “Andar do cão!”, eu dizia. “Cadelas carentes”, eu pensava. Fecho os olhos com força.

Sétimo andar. Não me recordo de quem morava ali. Cogito um velho moribundo. Covarde para partir em vida. Esperando a morte levar seu corpo, que já não é vivo há muitas existências. Ou um viciado. Ou um sem serviço. Ou um casal apaixonado... Suspeitos! Quem sabe o monstro que mora no, sempre, desconhecido? "Estou perdido!". Reabro os olhos.

Sexto andar. Morava um moleque chato e uma mãe linda. Os outros vizinhos não são tão chatos quanto o guri, nem tão lindos quanto a mulher. Não vale a pena me lembrar destes. Mas essa mulher povoou meu pensamento quando cheguei aqui e resquícios de vontades me invadiam a qualquer momento. Ainda agora consigo a imaginar nua. "Vadia! Mulher de merda.". Minha querida, linda, mulher!

Quinto andar. Morava aqui uma senhora que vendia quentinhas. Falta de amor. Falta de sexo. Falta de ar. Falta de dinheiro... Mas desabrochava humor a qualquer. Traste ou boa praça. Era temperada de graças. Graças a Deus! Santa senhora! Risonha, educada... Feliz! Vai viver até uns cento e vinte... E cozinhando! Fazia-me lembra de minha saudosa mãe pela candura. Metade do caminho percorrido! Rompem-se os tímpanos.

Quarto andar. Os playboys universitários. Nenês em fraldas. Mamadeiras de vodka. Mimos dos pais. Ricos do interior. Darão bons advogados, com certeza! Merda para se pisar e feder. A distância desse futuro ingrato já me deixa feliz. A distância de qualquer futuro é um assombroso alívio e uma estranha esperança. Desse andar já consigo ver os ladrilhos, os canteiros, as flores, a terra. E consigo imaginar esses enfeites em cima de mim.

Terceiro andar. Andar da síndica. Mulher de meia idade. Sem romance e sem paixão. "Desgraçada!". Rainha das multas e das sanções. Passa rápido esse andar. "Essa puta devia estar aqui comigo!". O vento é quente. O ponteiro aponta o chão.

Segundo andar. Perco o ar. Duas lágrimas caem. Chegarão antes de mim. As veias saltam. Um puto joga um resto de maçã pela janela. Isac Newton!

Primeiro andar. Último arrepio. O coração pára. Ali morava Clara. Ela vai saber. Ela vai chorar dias e dias. Tenho certeza! Vai se desesperar, enlouquecer... Pobre Clara. A culpa é minha!


...


Térreo. - Minha mãe, eu vim!






André Vargas

Cetim rosa

A máquina gira, gira sem parar
até sentirmos cheiro de fumaça
e explodir.
O tempo não parou
não parou meu amor!
E o caminho segue.
Como uma reta,
seguimento de pontos.
O momento é falho,
os músculos contraem,
e a gota cai.
Pegue um lenço,
coma um doce,
que os sorrisos logo voltarão
a sorrir naquele apê.
Onde nada aconteceu.

Lívia Frias

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Um gole de prata

Prata na corrente que carrega ao pescoço. Crucifixo sem batismo pendurado, perdoado. Encostado ao balcão, jogado, desgostoso. Pede mais uma dose de qualquer rasgo, qualquer tipo amargo paga! Poucos pelo saguão. Nulos pelas mesas. Sobras sob o balcão. O bar é o reflexo do que sente antes de dormir. Vazio. Uma aspirina, uma insônia, um trago de fim de gimba, uma luza acesa, um curto espaço de sono e sonha só brevidades. Muitos e muitos desencontros, o barman sabe de cor os seus entraves. Bebe, numa talagada só, toda a aguardente servida pela milésima vez, mas deixa no fundo uma lágrima sua, um gole duro de pura prata. O nó na garganta, porém, continua. Joga umas notas no balcão e acena. Saí de cena trombando no cenário. E foge do bar que não aliviou o caos do tempo. Chove por fora e por dentro. A rua é escura e os postes piscam. Trovoadas. Testa os caminhos de lamas de volta para casa... Erra todos! Erra de vida. A divida consigo é maior do que os planos. Iam viajar esse ano! Acha, por acaso, o fio da volta no resto de suas migalhas, nem mesmo os pombos quiseram comer de seus resquícios. Mora no beco escuro, rua sem saída. Até a sua casa está dividida e as crianças não dão mais risadas na porta de entrada. Chega zonzo, mas, dessa vez, dorme feito pedra. Jogado no chão sujo e frio preparado por Deus. Aquele mesmo Deus, pai de seu crucifixo. Aquele Deus de prata. Aquele Deus que mata. Aquele Deus que nunca foi seu.



André Vargas

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Por que...

O que ficou pelo caminho

O começo

O meio

O fim

As sobras

Tanta coisa ainda há

Do pouco que sinto



Lorena Brites

Desleixo

Comover-me

É como ver a mim mesmo

Andando a esmo

Mesmo andando por cá.


Desamarrados tênis

Para tropeços

Amarrotadas calças

Para passar

Meias cansadas, manchadas

Nos calcanhares

Muitos lugares

E sou de nenhum lugar

Pelos na cara

A crescerem com o tempo

E pouco tempo

Para me pentear

Camisas tolas

De desenhos felizes

Caminham sós de tanto eu as usar.


Desleixo

Deixo a roupa suja no sexto

Mas recolho a minha vida da corda

Antes mesmo de ela secar.




André Vargas

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

creme ocidental

umberto belém. bom de Bic.
ex religioso unidos sem cacife
tarde qualquer
na fila do tédio
veio um poeminha de portão 
pariu no papel um clássico
reciclável, concreto, sua solução:
acendeu
e explodiu!
tomou a vaga brasileira
no concurso público pra Poetas do Brasil
(às más línguas,
seu mês agora engorda cinco mil)
a vida agora é essa
delírio no batente
cafezinho sem pressa
e bicando o país pra frente
ontem mesmo
belém deu uma mão
contra a dívida mobiliária
descolando uma campanha
da própria cara :
cobre o aluguel da estante
saque o poeta
no instante.


Nenheu Neves

domingo, 9 de outubro de 2011

Ser

O que me intriga é saber,
que existe algo
além do Céu,
que não podemos ver.

Viver na vida como se vive,
aceitar a condição de ser
sem entender a função, inibe.

Buscando propósitos,
nas mais místicas hipóteses
e vivendo de medos pragmáticos.

Em tudo que há,
em tudo o que é,        
no que já não se sabe.

A verdadeira razão do porquê,
o real sentido do como,
O motivo do quê,
a clareza de ser.

Lívia Frias

Tempo de errar

Aqui sinto medo

De me perder de mim

Em segredo, em segredo

Inseguro

Festim.



Aquilo que quero

Posso nunca tocar

Um segundo, um segundo

O tempo de errar.




André Vargas

sábado, 8 de outubro de 2011

Antônia

Te olhando assim, nem dava para descobrir.

O que havia por trás das suas risadas, sua voz mansa e seus sutis gestos com as mãos. Queria saber por que você me escondeu isso tudo.

Quando me veio a notícia, me senti o maior culpado de vê-la doente. Aquele seu estado que me arrepiava, nem suporto lembrar de ver seus ossos protuberantes por passar semanas sem se alimentar direito. Me dava frio no estômago, e eu me perguntava: "- O que eu deixei passar?". Você me parecia tão bem. Todos os dias em que nos víamos eu lembrava sempre de olhar em seus olhos antes de me despedir. E a princípio, o que era verdade para mim e estava claro, você era feliz. Por mais úmidos que ficassem os seus olhos em certos momentos nossos, juntos, eu voltava pra casa com a certeza de que os veria brilhar novamente. Pode ser que eu não tenha lhe dado a devida atenção, de não ter olhado como realmente deveria, um admirar leviano de apaixonado. Talvez esse tenha sido o meu maior erro. Não perceber, cegar meus olhos e não enxergar os seus, quando a todo o momento você me dizia não estar bem. Eu sei que você foi sincera a todo custo, mas eu não me dei conta, foi tarde. E sentado ali naquela cadeira eu te esperei, por semanas se recuperar e voltar a me abraçar como se acolhesse num ninho. Mas você não voltou.

E foi a primeira vez que estive com você a todo momento.



Lívia Frias

Hiato

Um dia te fiz um mau, mulher

Daqueles irreparáveis

Honrei meu papel de homem

Fui covarde.


Fui honestamente cruel

Como sempre é a verdade

Fui um hiato em sua vida

Fui covarde.



André Vargas

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Primeira vez

Para começar, me arrisco
Para arriscar, me atiro
No tiro, frio na barriga
E a vontade logo que termine
Começo assim sem saber o que começar
As crônicas já não dão mais conta
Namoro em prosa
Invento histórias
Remendo contos
Conto os segundos
Respiro fundo
E enfim, poesia!


Nathália Godoy

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Tempo

O tempo desgasta

As solas de suas sandálias

No chão das nossas cucas

Arrasta seus pés cansadamente

E deita na rede dos sorrisos

Enrugando o canto seco

Em nossas bocas.


O tempo é o velho de chapelão

Que, melancólico, vai pela calçada

O tempo é a todo tempo

Nada.


O tempo é a ferida inflamada na perna

O mato no casco do potro

O tempo é a todo tempo

Outro.



Andre Vargas

Felizes para sempre

O grande dia chegou! Flores, enfeites, pais satisfeitos, a Igreja repleta de convidados e as passagens compradas para Paris. Já é o dia do casamento e a dúvida ainda pairava sobre as cabeças deles. Logo eles, os protagonistas do espetáculo ainda não sabiam se casavam ou se compravam bicicletas. Um de cada lado, o noivo e a noiva, a espera da sentença. A vida inteira condenados, a vida inteira amarrados, a vida inteira feita em um único dia. Depois da lua de mel teriam os filhos, as brigas, as contas, as louças, o chuveiro para consertar, a roupa para lavar, o cachorro para levar para passear, a dor de cabeça como desculpa. De vestido de cetim, ela está pronta. De terno e gravata, ele está a postos. Alianças em ouro branco, papéis para assinar, testemunhas no altar. Os noivos se olham por entre o véu dela, na busca de alforria, na busca do que só eles ali percebiam. Os dois fogem até a Casa & Vídeo mais próxima, as bicicletas estão em promoção.



Nathália Godoy

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Que Homem

Eu sou o que todo homem é

Um misto de querer e dever ser

E com isso,

Sou o que deu pra ser

Longe do perfeito

Perto do medíocre

Um pouco mais educadinho aqui

Um tanto gente boa ali

E nada mais


Guilherme Braga

SEM MAIS PALAVRAS

Por tudo que se falou,

e que não se fez,
mas se sonhou
É por isso e muito além disso,
O que soou foi inaudito
O que se falou é indizível,
O que ainda há em mim
e transpõe-se da minha carne,
O que restou será timbrado!


Lorena Brites

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Andarilhas

Intrigantes são as nuvens
Elegantes com seu vestido macio
A cada passo leve
Guiadas pelo vento, pelo frio
Esperadas e observadas pelo domingo
Molhando os pés do meio-fio
Se desfazendo a cada pingo
Basta ser nuvem pra saber o que é a imensidão.



Caio Vargas

A louca


É dessas mulheres que faz varredura nos bolsos do marido, cheira colarinho, procura resquícios nas cuecas. Uma verdadeira hacker no computador do coitado. Vai atrás, se disfarça, espia. Não encontra. Fuxica mais, abre gavetas, lê velhas cartas, investiga passados, interroga suspeitos, faz levantamento de dados, tudo para justificar seus conflitos. Na sua loucura falsifica evidências, ensaia a cena do crime, forja provas, leva o caso a júri popular. Ao fim do dia está cansada, não se aguenta, nem se olha mais no espelho. Não é mais ela. É pura melancolia e agonia. Está exausta demais para ser feliz. Respira fundo. O marido chega de braços abertos. Ela desconfia de todo amor, talvez não suporte ser feliz.


Nathália Godoy

domingo, 2 de outubro de 2011

Outono

Pode ser que o amanhã venha já de tarde

E eu acorde sem o seu encaixe,

Minhas pernas as suas nas minhas

Os braços nos meus os meus nos seus

E daí amanhã outro dia

Já está tarde.




Lorena Brites

De prosa em verso

Nos teus braços que me perco na imensidão e me acho

Em noite de luar, céu estrelado

Um suspiro que me cinge o peito

corda apertando o desejo

Beijo com gosto salgado
A saudade de você

Minou o meu olhar.




Lorena Brites

sábado, 1 de outubro de 2011

Ballet

Não deite no chão após ter tropeçado

Eu te ensino a se levantar, bailarina


Vai passar, vai passar, vai passar...

Vai, passado!



André Vargas