Já era
Fui
Quem dera ficar mais um pouco
Quisera pensar em não ir.
Quando penso que posso ficar
Pudera
Duvido saber duvidar
De mim.
É tão triste me sentir indo embora
Que fecho a porta com cautela
Deixo entreaberta a janela
E levo o lixo para fora.
É tão triste ir sem querer
Que abaixo o som da novela
Jogo uma manta em suas pernas
E cubro, de estampadas cortinas, o sol.
É tão tarde para me despedir
Que me dispo das minhas vontades
Me disponho a sorrir e só ir
Levando meus sonhos
É tão tarde!
É tão tarde para não querer ver
Que você não liga
Não desliga
E prefere o amor de TV
E suas histórias repetidas
É tão tarde!
É estranho,
mas levo a sua angústia embora comigo
É tarde, é triste e é partido
Eu vou
Querendo não crer.
André Vargas
Não há delícia
Não há sabor
Não há nada que me faça crer
Que eu tenha errado
Ao me indispor
Não há cocada
Que eu vá comer.
André Vargas
Ela subiu as escadas do edifício as pressas. O edifício fica na Rua Evaristo Veiga, no Rio de Janeiro. Lá fora uma cidade acontece em tempo real, em pura ebulição. Lá dentro não existe mais som. O único barulho que surge é de dentro do corpo da moça. Em seu corpo habita uma verdadeira perimetral, trânsitos, carros, acidentes, sirenes, buzinas, o corpo dela não se cala nunca. O edifício tem 13 andares. Hoje é dia 13 e ela tem consulta com o Doutor. Talvez ele consiga usar um apito e calar o zum zum zum de dentro dela. Ou talvez não. Esse escândalo vem acontecendo há pelo menos três semanas, ela mal está conseguindo ouvir a própria voz agora. Calem-se!- ela grita em vão. Na porta da sala do Doutor está escrito um recado da secretária “Caos no trânsito da cidade, o Doutor cancelou a consulta”. A moça foi até uma das janelas do corredor do edifício. A moça se jogou do alto do edifício. Seu corpo fez barulho e se calou.
Nathália Godoy
Um muro
Do outro lado do muro
A bola
Que bela é a casa do vizinho.
Antes que o cachorro a rasgue
Eu pego
Antes que o cachorro morda
Eu fujo
Antes de pular de volta
Um muro
Tinha um muro no meio do caminho.
André Vargas
A intenção de criar este espaço não é nobre, tampouco é vil, pois não serão os extremos (nem os núcleos) os pontos atingidos, seremos nós mesmos, em mesmices, a dizer-nos coisas tolas e, talvez, boas das masmorras de visgos do castelo das palavras.
Um blog em conjunto é a parte que nos resta desse latifúndio criativo, na atual conjuntura e ter um grupo de pessoas que escrevem e pensam que escrevem e fingem escrever, mas que, menos pelas máscaras e mais pelo pensar, danam-se juntos é renovador aos velhos de espírito e alento aos jovens de saber.
Não é pouco o que vos entregamos. Entregamos-vos nossas almas, como num ritual de magia negra feito por adolescentes em um filme bárbaro de Sessão da tarde. Só que as nossas almas agora são, também, frívolas e virtuais; nossas almas estão geneticamente decodificadas; nossas almas são efervescentes e estomacais; nossas almas são trangênicas e agrotóxicas; nossas almas são importadas, exportadas, importantes e exploradas por multinacionais. Somos o agora de antes. Somos a Nova Idade e temos algo a dizer daquele mesmo algo algoz do passado, da alga verde e viçosa da juventude, da algema dos delírios das angústias e do alagamento das alegrias e das lamúrias.
“No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a voz dos passarinhos...”(Manoel de Barros).