sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Era

Quando penso que vou
Já era
Fui
Quem dera ficar mais um pouco
Quisera pensar em não ir.

Quando penso que posso ficar
Pudera
Duvido saber duvidar
Renego o meu próprio querer
De mim.



André Vargas

Alto Paraíso

água que cai nas costas
bate forte
lava alma
desafoga o aflito

chora menina morena
descansando na pedra
esquecendo o passado
sentindo a trégua que o tempo ofereceu

fugida da massa
acalma o corpo
renova a matéria
fluindo nas idéias

Lívia Frias

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Domingo

Já não faz as coisas como fazia antes. A perna esquerda já não caminha bem, a bengala passou a ser uma fiel companhia. Não vive mais com gatos e nem cachorros, muito menos com filhos. Pelo menos não tem mais a trabalheira e o lava pratos dos domingos. Divide o apartamento com uma imagem de Santo Antonio, quem já lhe foi muito útil. A catarata já não lhe deixa acompanhar a novela muito bem, por isso achou mais vantajoso vender a velha televisãozinha e comprar os óculos. Ou a TV, ou os óculos. Um não podia existir com o outro, mas também, um não tinha utilidade sem o outro. Pega todo santo dia o mesmo ônibus no Passeio. Ela não sabe o porquê, mas gosta do entra e sai de gente do ônibus.  Acha por bem avisar sempre ao motorista aonde vai saltar. Pede para ele parar em uma dessas ruelas antes do Campo de Santana. Mostra o portãozinho aonde mora, o prédio é velho, é desses que foram esquecidos de ser tombado.  Desce do ônibus, atravessa a rua como se não quisesse chegar ao outro lado. Abre a portão de madeira com dificuldade, a luz não favorece e a vista já quer descansar. Ela acena para o motorista como quem diz “pode ir agora, despreocupa-se”. Ela gosta de pensar que ele toma conta dela. O sinal abre e o motorista arranca o carro com pressa. Ela queria que amanhã fosse domingo, e que a pia estivesse cheia de louça para ela lavar. 

Partido

É tão triste me sentir indo embora

Que fecho a porta com cautela

Deixo entreaberta a janela

E levo o lixo para fora.


É tão triste ir sem querer

Que abaixo o som da novela

Jogo uma manta em suas pernas

E cubro, de estampadas cortinas, o sol.


É tão tarde para me despedir

Que me dispo das minhas vontades

Me disponho a sorrir e só ir

Levando meus sonhos

É tão tarde!


É tão tarde para não querer ver

Que você não liga

Não desliga

E prefere o amor de TV

E suas histórias repetidas

É tão tarde!


É estranho,

mas levo a sua angústia embora comigo

É tarde, é triste e é partido

Eu vou

Querendo não crer.



André Vargas

Lembranças da semana passada

Quebraram o casco da tartaruga
E o vento durante a fuga
Deixou que o frasco que guardava a pulga
Atingisse recém-nascidos
E alguém disse aos mesmos ouvidos
Que um pequeno homem
Com pequenos problemas
É apenas um bicho normal
Que some, sente pena
No meio do mundo animal
Com a habilidade nula
Reclama, berra, sorri
Não percebe que se deixar
O problema pula
E acaba sentindo o ar
Copula em outro lugar
Deixando-nos sós
Aqui



Caio Vargas

Nem vou sentir sua falta

sabia que ia ser passageiro
cheio de truques e exageros
eu me entreguei a essa paixão
que iria acabar num repetido tropeço

não pude duvidar do que já previa
foi delicioso o momento em que vivia
sem rumo ou tempo pra medir
o que a obrigação pedia

e como me foi bom te ver nu
me esconder naquele quarto
pedindo pra não acabar
o que já estava combinado

sentir outro gosto na boca
outro peso no corpo
outro olhar que me prendia
outro prazer que me possuía

agora mesmo nos vendo sós
lembrando o lamento que esqueci
vejo foi bom o tempo
em que arrisquei e te segui

Lívia Frias 

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Doce engano

Não há delícia

Não há sabor

Não há nada que me faça crer

Que eu tenha errado

Ao me indispor


Não há cocada

Que eu vá comer.



André Vargas

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Um barulho no edifício

Ela subiu as escadas do edifício as pressas. O edifício fica na Rua Evaristo Veiga, no Rio de Janeiro. Lá fora uma cidade acontece em tempo real, em pura ebulição. Lá dentro não existe mais som. O único barulho que surge é de dentro do corpo da moça. Em seu corpo habita uma verdadeira perimetral, trânsitos, carros, acidentes, sirenes, buzinas, o corpo dela não se cala nunca. O edifício tem 13 andares. Hoje é dia 13 e ela tem consulta com o Doutor. Talvez ele consiga usar um apito e calar o zum zum zum de dentro dela. Ou talvez não. Esse escândalo vem acontecendo há pelo menos três semanas, ela mal está conseguindo ouvir a própria voz agora. Calem-se!- ela grita em vão. Na porta da sala do Doutor está escrito um recado da secretária “Caos no trânsito da cidade, o Doutor cancelou a consulta”. A moça foi até uma das janelas do corredor do edifício. A moça se jogou do alto do edifício. Seu corpo fez barulho e se calou.



Nathália Godoy

Sílaba por sílaba

Compromisso
Com promíscuo

É muita sacanagem!




André Vargas

Simultaneidade

Observando cada movimento
Percebi que o mais magnífico da vida
É o tudo ao mesmo tempo.



Caio Vargas

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

No meio do caminho

Um muro

Do outro lado do muro

A bola

Que bela é a casa do vizinho.



Antes que o cachorro a rasgue

Eu pego

Antes que o cachorro morda

Eu fujo

Antes de pular de volta

Um muro



Tinha um muro no meio do caminho.



André Vargas

No começo

A intenção de criar este espaço não é nobre, tampouco é vil, pois não serão os extremos (nem os núcleos) os pontos atingidos, seremos nós mesmos, em mesmices, a dizer-nos coisas tolas e, talvez, boas das masmorras de visgos do castelo das palavras.

Um blog em conjunto é a parte que nos resta desse latifúndio criativo, na atual conjuntura e ter um grupo de pessoas que escrevem e pensam que escrevem e fingem escrever, mas que, menos pelas máscaras e mais pelo pensar, danam-se juntos é renovador aos velhos de espírito e alento aos jovens de saber.

Não é pouco o que vos entregamos. Entregamos-vos nossas almas, como num ritual de magia negra feito por adolescentes em um filme bárbaro de Sessão da tarde. Só que as nossas almas agora são, também, frívolas e virtuais; nossas almas estão geneticamente decodificadas; nossas almas são efervescentes e estomacais; nossas almas são trangênicas e agrotóxicas; nossas almas são importadas, exportadas, importantes e exploradas por multinacionais. Somos o agora de antes. Somos a Nova Idade e temos algo a dizer daquele mesmo algo algoz do passado, da alga verde e viçosa da juventude, da algema dos delírios das angústias e do alagamento das alegrias e das lamúrias.

“No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá onde a

criança diz: Eu escuto a voz dos passarinhos...”(Manoel de Barros).