domingo, 29 de julho de 2012

O Último Poema


Escadas, espelhos, água...
A luz da lua
A noite na cidade
As luzes da cidade
O mar
O vento
O frio
Eu
O acordar como a pior coisa da existência? Nunca mais quero acordar.
Eu piso
Meu pé, o peso, a gravidade...
Como uma estaca no chão
Escuridão como uma luz no fim
Noite sem fim
O nada nas nuvens
Meu corpo, o que eu sinto com ele? É o próprio gosto, o efeito, é o que desce. Uma vida perfeita tem algo de comum. Migalhas sobre a mesa.
O que a morte é para a vida?
A vida não deveria ter estrelas. Eu começo a me desfazer quando se torna real. Nada pode ser real.
Lábios congelados num muro de plástico
Como Adão, o primeiro
Prata Líquida
Reflexos de abelhas
Em cima do muro
Generais se despedaçam
Sangue na lua
Silêncio faz música
Aplausos com cabeças. Brilho da caneta. Pênis e Vagina. Além mar, além. A caverna e só ela. Libertado. Luz. Sol. Bem. Migalhas sobre a mesa. Nada pode ser real.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Nadificada premissa

Simplório,
Sou, sim, o cão que guarda o purgatório
Zanzando, rosnando, às vezes, tragando
Um grande gole de saliva
Às vezes, abanando o rabo para espantar
Qualquer que seja a companhia
Mas sempre, sempre andando
Cagando e andando
O cão-carniça.


André Vargas

Simbólico

Quanto se deve ao ventre fatigado?
Quanto se paga ao vento por soprar?
Pão de centeio no tempo fatiado
Dívida eterna
Paga no eternizar.


André Vargas

Sem que eu soubesse que existia

O amor, chegou tão cedo ao meu coração, 
que a boneca nem teve tempo de ser usada.

Meu brinquedo era o lápis, parceiro fiel que não me abandonava. 
E não fora muito tempo, para trupe aumentar.

Bastasse um motivo meu para desaguar,
que surgia o papel e a borracha
para o grupo aumentar.

Éramos quase que os três mosqueteiros e d'artanhan.
Desbravando por meio a floresta ou linhas,
até o amanhã.

Até que dessas escritas,
conheci algo que nao sabia que existia.

A forma pela qual eu escrevia,
os adultos chamavam de poesia.

E foi tão belo saber que eu poetisava o que doía!

o que era escuro 
um pouco frio e oculto
o que a ninguém cabia, só a mim.

Me senti uma artista!

E fui escrevendo desde então.
Tudo que me preenchia.
Desde sonhos, desde dores
desde desejos e aqueles amores.

Para uma criança que enjoa da boneca,
privilégio foi cedo descobrir
que podia brincar de ser poeta.

E fazer dessa brincadeira
uma secreta libertação.

Queria que soubessem
que poetisar o mundo
fez com que eu me entendesse
com o amor.

Derrubei os muros que criei em mim
e até fiz o mudo falar com vigor!

Mas é claro que a poesia
não curava o que ainda me doía.
Meus queridos papel e lápis
só traduziam o que eu sentia.

E chegando a esse ponto eu percebia.
que eu acabava de ganhar uma melhor amiga.

Para cada momento que eu vivia,
sendo de dor ou alegria,.
vinha a poesia como companhia

E foi assim que a querida poesia surgiu em mim.
Numa distração qualquer de menina,
o que na alma aluzia,
sem que eu soubesse que existia.

As botas que vão bater


É a última estação para o ser humano. O fim da linha. Começam as despedidas, os últimos conselhos, as últimas lembranças. Enfim, a decrepitude! Ponto de partida ou chegada?

É tempo do cheiro de alfazema vencida, ou será naftalina? Ou ainda uma pomada qualquer, para remediar assaduras ou a alma já sem cura.

Nos olhos a vida passa embaçada. A TV voltou a ser sem cores e já nem sei mais o que se passa nela. Chega para meus olhos reconhecerem pessoas jamais antes vistas. Teimam em me fazer recordar, contam-me sobre aventuras nunca vivenciadas antes por mim. Será que falam de outro alguém? Posso jurar que minha vida começou no instante que sai do banheiro e caminhei até esta cama. De que vida elas falam?

Caminho em passos lentos nesta última estação. A impressão que dá é que vivi o tempo inteiro só este dia. Já se passou o natal? Já se passou fevereiro? Já se passou minha vida?

Já não sei onde habito, o que habito e porque ainda habito.  Viram-me, me despem, me trocam, me tocam, sem autorização. Me dão de comer, de beber, me medicam e já nem sei para que servem os cuidados. Cuidam ou livram-se da culpa? Amam ou apenas seguem os sagrados mandamentos?

De que adiantou uma vida inteira? De que me adiantaram os cem anos? De que me serviu tanta prevenção e medo? Para quê todo amor que senti? E tanto ressentimento acumulado? Se nada tenho deles, além do seu fim.