quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

poema amarelado

não deixemos o amor em meio a solidão das coisas

o meu amor

defendo com um xaxado

não o quero tatuagem deste mundo

desejo antes

o amor-filhote

para cima, para baixo

carregado

bilingue a dois, nós

saber suas peças

catar o que lhe escapa

enterrar as promessas

para o sim, para o não

recarregado

um amor criado

à prova de m'água

que more na selva

sem nome sem contato

querendo seu namorado



N.N.


terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Goya à beira


À beira da goiabeira
Estava Goya
E não havia nada
Não teve uma que eu não comera
Não sobrou Goya
Na minha aba.



André Vargas

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Dose

Um gole de aguardente
Aguardante veneno
O esperado “de repente”
De rompante condeno
Derrapante calhambeque
Alambique de feno
Transformo-me num delinquente
Delatando boleros.

Transborda a alma corrente
Grilhões de mil vis austeros
Aos teus pés descalçados
Descompassar dos cadernos
Bonitas frases rimadas
Odes ao ódio sincero
Que encerro ao cerro dos punhos
Ao serrar do visgo do erro
Canteiro de vidas jogadas
Cruel cemitério do medo
Vícios do início do vício
Suplícios do álcool que bebo.

Sou mais vivo quando erro
Mais dono quando entrego
Sou mais eu quando me nego
Soldado de chumbo
No fundo do mar
Ainda caindo.

Vou descendo vertigem
Descendendo de virgens
Decadente de origens
Dessas dos santos que fingem
E infringem dosando fuligens
Que seus mantos brancos dirigem.


Rasga-me o último gole
Amei-o...

No corpo cheio
Nu
No copo vazio
Cru
Meio que me nomeio
Um.



André Vargas

Like a oswald

ataque ao pico
fellini cheio de dente
ata que o pico
PAU
na semente
que o tal pica
explico
é pique pra gente


Neves

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Diverso

1 lembrança
2 de longe
3 para perto
4 a sentir

chegar

é o verbo
de onde mais gosto
de partir


Nenheu

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Mofo

Almofada
Mofada e estampada
Queimando a mufa cansada
Deitado, sem fazer nada
Vendo programa do Jô

Camuflada
Mudo a bermuda manchada
De gotas grandes e enlatadas
Desgostos e de um bom Nescau

Só eu e a madrugada
Drogada e sem previsão
Só eu e a madrugada
Feita de televisão.



André Vargas

Casca de pão

De nada me adianta
Ser inteiramente feito de broa
De café, de coisa à toa...
Se eu empapuço o papo breve

Engasgo
E na garganta não há nada
Espasmos de calçada
Alçada que me serve

Canteiro sem planta
Distancia que enerve
De nada me adianta
Dizer o que não serve.


André Vargas

sábado, 10 de dezembro de 2011

Despertado!

Antes de entrar tem que cumprimentar
Antes de entrar
Antes de entrar tem que pedir licença
Antes de entrar

Denise no chão com abelhas

Na cama com alfas
Experimentando impurezas
Na cama sem alfas
Despertado!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Hermetismos pascoais

inda cedo,
seu olhar fez barulho
depois, muitos dias
seu olhar fez ritmo

tudo interrogo àqueles olhos
e minhas respostas são notas
pra qual das sete se muda seu sim?
e mais seu olhar compõe
e me atrai no assobio
e faz caminho,
sigo,
entra num ouvido
sai pela minha boca;
desafina

esses olhos
própria melodia piscam
e brinco com eles
detetive
tudo interrogo àqueles olhos
par soante,
mais música responde
e brigo com eles,
assassinam

dois instrumentos
solando às esquinas
me aviso em seu lugar:
sua, menina.


Nenheu neves

Fisiologia do E aí?

...tenho fumado suas
letras, frases todas
as canetas
                                 tosse:

no momento cumulonimbus
a energia pára
alguém se queima
eu incenso:
compasso do chuviscar.
displicente sorriso
é um doce denso
é um presente derretido
alagando seu abrigo

 

Nenheu neves

Cigana que eu gosto

clarissa vai encontrar um cabra
lindo
ele vai justificar o domingo
terá belos cílios e belas mãos
para lhe desmanchar os nãos

clarissa vai encontrar uma mala
linda
ela vai justificar sua saída
do trabalho!
vai achar o valor de 500.000 vezes o seu
salário!

clarissa vai encontrar a gente
maria, carolina, bárbara, tayza, lívia
no meio da enchente:
- por favor uma pratinha
somos carente.
ela vai se comover
e se empenhar bravamente
virar doutora,
depois presidente!


Nenheu né

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

New Stars

A sort of thanksgiving in miniature
A fucking-bloody-shit coming from hell

A sort of Turguêniev first love
A bottle of whisky from Cassady

My personal paradise between my eyes

(new stars)
God is holding my head
(new stars)
With the tip of the fingers yes
(new stars)
You may think it's disguisting
(new stars)
But it's carrying me where

A sort of frozen kiss in a box
Sent by a princess from her castle

A sort of Lewis Carroll's character
Or a new adventure from Sawyer

My personal paradise between my eyes

(new stars)
God is holding my head
(new stars)
With the tip of the fingers yes
(new stars)
You may think it's disguisting
(new stars)
But it's carrying me where

I can walk on eggshells
In a blue field
And use a chainsaw
To cut my fallen tree

I can walk on eggshells
In a blue field
New stars

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Sim-crônico

Hei de fazer isso à sua feição
- Politeísmo do Não -
Negando em qualquer idioma.

Deuses fajutos dos rebeldes
Do idiotizado axioma
Do habitual “pedir perdão”
Nosso chiclete de goma.

Devo e vou ouvir seus olhos
Habitando meus tornozelos
Lambiscado de outras orelhas
Devo e vou retê-los...

...Um dia

Sincronia sutil
Da sônica soneca do vento
Enquanto sozinho, o frio
Sozinho é o meu pensamento.



André Vargas

Tempo

São tantas coisas

Que só os gestos podem confirmar
Palavras parecem vazias


Lorena Brites

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Questões de prova

melhor, de provar
de quantas maneiras se pode amar?
aponte o prazo para um coração aprovar.
seu amor não é brinquedo?
amor com pena e reclusão
é medo?
quem me ensinou a policiar;
abrir o olho, fechar a boca e esperar,
pois Início
é dever do lado de lá?

ana devora palmitos
ana devora seu namorado
o pedro
certo dia, devorando palmitos
disse a pedro:
dependendo do emissor,
eu te amo pode ser bom dia
nem terminada a frase
e pedro caía.
encontre o erro.

assinale:
sagrado amor, amar-é-miar
novela das 18
e/ou
querido amor é o ansiado
íntegro, segundo biscoito!

e quando amar
é encher? disserte.
e quando amar é mexer... compare!
com base em Vatapá (CAYMMI, 1957), meditar:
nega baiana, venha nos ensinar

agora ligue todos os pontos
agora valendo todos os pontos
cite o descobridor
da fórmula
do falso e do verdadeiro
do limite
e onde ele está
entre cada sentimento que faz gostar



Nenheu neves

domingo, 27 de novembro de 2011

The River

The River

River
Tell me some truth
Why can't you
Stop deceiving me?
Is it so hard to give up
Of that pleasure? Tell me, where is she

River
Is it possible to reborn?
At least to indoor
Of a world without her?
Are you trying to show me
That I shouldn't care? Tell me, where is she

At this time? Tell me
Where is she now? And if
She will come back to me

Eighteen degrees below
The sky and I still
Can't see beyond

Baba imperial

Quando nada pela rua
a par, à mercê do tempo
arrastando as palmas nos muros,
um trago eu recomendo;
a sós
de ideias canhotas

de costas pro monumento
meus olhos são gaivotas


Nenheu neves

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Do outro lado da calçada

O Campo de Santana. Nasce jaca, gato e até pato. Tanta gente que anda por entre tanta planta.  Andam até os moleques que não têm hora de ir para cama. E as cutias saltitantes e serelepes que mais parecem crianças em busca de doce. As árvores são tamanhas, com jacas a sair pelo ladrão. Éden perdido no meio da multidão. Fuga de quem trabalha do outro lado do portão.

A Central do Brasil está bem em frente.  Seu relógio a ditar nossas vidas, a apressar a vida do trabalhador, a retardar o retorno para casa. O Tic-Tac da Central badala a correria diária. Ambulantes, pedintes, andarilhos, infratores, e os que trabalham desde as cinco da matina. Chega o trem, vai o trem. É a vida toda assim. Nunca muda, é estática a realidade. A Central não dorme, o relógio como todo trabalhador não vê a hora de poder ter um descanso. 


Nathália Godoy

Sobrado em cima de sobrado


Uma confusão arquitetônica. Mistura de tempos, todos ao mesmo tempo. E o tempo contado de dentro para fora, de cada janela de um sobrado. Estruturam-se em cima da história, não sobre o cimento, nem sobre o concreto, são erguidos sobre o passado. O que se esconde por dentro da cidade? Em cada ruela, um mistério. Em cada beco sem saída, um fugitivo. Em cada travessa, um adultério.  Em cada esquina, uma nova vida. Do outro lado da passarela, sempre o imprevisto. A cada passagem pelos mesmos lugares, descobre-se sempre o que antes estava imperceptível. Uma nova rachadura. Uma segunda mão de tinta. Um desbotamento qualquer. Um velho fumando cachimbo na porta. Um encantamento a primeira vista. Em cada sobrado que se mantêm poderoso, por cima de lojinhas e lanchonetes, encontra-se um mundo todo. Serenos como gigantes adormecidos. Imponentes como um Imperador que se recusa a deixar o trono. Nossos olhos só alcançam fachadas. O que salta das varandas é beleza, é luxúria, é suor, é verdade. O que se esconde por dentro dos sobrados? As histórias, as memórias, um fantasma com medo do escuro, madeiras que falam sozinhas, e encontra-se  o passado mais presente do que nunca.

Nathália Godoy

Léxico do picolé

- Qual é?
Não se pode perguntar!
Ninguém te deixa deixar o chá
A congelar num palito em pé
Mas a pergunta arguta estapeia
A face de cristal, nessa peleia.

- Como é?
O “como é?” estraga a capa artística
Belisca o braço de quem devaneia e vai
Achando que o não-pensar é mais
Do que o não-ser não é
Pré-socraticamente estiloso
E felizmente mente
Posto que tudo isso, por mais belo,
ainda é mimeses Platônica.

- Não!
Não é o efêmero e o inexplicável “senão”
O poema não é sandeu, nem barato como a loucura
Poema é esforço real da carne dura
Não é espirito
O poema é criatura.


André Vargas

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Deixa sangrar II

nas horas largas
sê de festa 
relevo na testa?
releve o teste.
confesse confete
infeste


Nenheu Neves

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Espelho

Gosto de ver
Noutro meu ser
Outrossim
Salabim
Logo em mim
Há de ver
Você.


André Vargas

Ruído

Menelau
Na altura da dor e do latido
Escondia sua pele
E era nutrido
Por serpentes
Carentes de ouvir.

E do porvir
Provinham suas mais duras risadas
Menelau
Guardava no que viria
A caminhada
E vivia no escondido
Do sumir.



André Vargas

sábado, 19 de novembro de 2011

À Nenheu

Borboleta tu
Borboleto eu
Onde é teu casulo?
Onde voo meu?
Onde é meu casulo?
Onde voo teu?
Borboleta tu
Borboleto eu.



André Vargas

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A praça

As crianças passam correndo...


Folheado de queijo

Esticados

No beijo, a baba

Ele acaba comendo beijo

Folheando, vez por outra, um livro surrado

Ela acaba com o beijo no meio

Para comer outro pedaço

Folheando os beijos entrecortados.


Convida pelo assovio

A passear com os pombos, o louco

Que leva nos trapos as marcas

Dos tapas e dos tombos

E tem razão de perder a razão

O louco assovia na certeza insana do tom.


Ensebado cabelo preto

De brilhantina antiga

O velho ainda tem brilho nos olhos

E nos olhos, a fadiga

E na fadiga, a constância

E Constância já faleceu.


A velha reclama, mas senta

No banco duro da praça

Não dura nada e levanta

Reclamando da graça

Graça é o seu nome.


As crianças passam correndo...


Comendo

Assoviando

Brilhando

Reclamando


...E somem.



André Vargas

Induzindo Vertigem

Como Adão
Eu percebo como era
Há muito tempo atrás
Como Adão
Eu não acho isso demais
E quero ir até o fim

Induzindo vertigem
Espelhos vazando verdade pelo chão

Azul
Azul
Azul
Azul
Azul
Azul
Azul
Azul
Azul
Azul
Azul
Azul
Azul
Azul

Ausência

É tanto aperto comprimindo aqui no peito

você falta e não cabe

um cômodo 3x4


Lorena Brites

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Lugar nenhum

Sobe o morro
Sobe ao Céu
Some a luz
E me acorda

Fica o quente
Sinto o frio
Que lá de dentro
A barriga apavora

Da garganta
Desperta o enjôo
Incomodada
Vomito o medo

Sem freio
Passando o carro
Tirando fino
Já entro em desespero

Aumentou a altura
Nas curvas há precipícios
Minha coluna já chama
Os gritos de calafrio

Serro os olhos
Sinto-me ofegante
Serra fim há de vir
No estalo de um instante

Lívia Frias

Lugar Incomum

Entranhas contorcionistas

Estranhas tacanhas conquistas

Para quem não sai do lugar.


Preso em mim

Solto no texto

O medo é o meu pretexto

Para escrever o que não quero falar.



André Vargas

Lugar-comum


Quisera ser sem terra no campo imensurável do qual a lua minguante é vigia.

Quantas flores brancas, delicadas, dedicadas,

Quantas flores fui crescer no solo ingrato

Em que eu jazia...


Quieta, madrugada;

Mais amargo ainda

É regá-lo ao meio-dia.


Ao encontrar alguém desabrochando no Jardim do medo,

Use o sal da sua voz, dos olhos, do chamar – instrumentos de cultivar

Use-os, por calor.


Podar o medo

Na mata escura do juízo

Não deixar que ele avance

E vire um paraíso.



Nenheu neves

domingo, 13 de novembro de 2011

"Reféns do Medo"

As pessoas viram reféns do próprio medo.

Em várias situações e circunstâncias deixam-se levar pela imaginação.

Medo da chuva, medo do escuro, medo da morte, medo de amar, medo de ser feliz.

Existem tantos medos, e pra que tudo isso? E porque sentirmos essas sensações estranhas?

O medo domina, ironiza a mente da gente.

A imaginação acaba criando um episódio de terror, parece tão real o coração bate mais forte, as pernas tremem, o frio na barriga chega devagar e quando nos damos conta ele chegou, apavorou , dominou o Medo.

Sempre, sempre ele que ás vezes nos faz desistir de tantas coisas, nos faz perder os sentidos dos caminhos.

Quem não virou refém do medo um dia?

O medo vive constantemente na vida da gente e não tem saída do coração e nem da mente.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Novo ato do novato

Dizer sem ouvir

Escrever sem revisar

De que serve nossa subjetividade

Senão para anular?


O outro sujeito

Suspeito

Malfeito

Intuito fortuito

De não se expressar.


Divagar demais pode ser devagar demais

Tanto, que tropeçaremos em nossa língua torta

Tanto, que bateremos a nossa cara em falsa porta

Tanto que a poesia, falecida, nasce morta.


Tantos poetas se escondem na Fantasia

Que se esquecem de rimar a vida com "bom dia!"

E de remar com os braços rijos

E de nadar na calmaria – Boiar é coisa para letargia!


Tantos poetas e nenhum desafio

Nenhuma novidade em seus olhares

Nenhuma solução em suas rimas

Nenhuma pista do que seria a sua via.


Nenhum deles... – pobre de mim! – Todos eles feitos de ventania–...Nenhum deles, quando se nega a dividir,

É poesia.



André Vargas

Mole pra emílio

umberto belém no amarelinho da cinelândia
 
paulo se aproximando
 
umberto, qq houve entre vc e a telma
 
vêm uns neguim despejando amendoim
 
u - no cenário da lua impossível
murmurou o melô das urgentes
voltou pro Outro Lado do É
mal de marcianitas.
é ruim quando alguém mora na filosofia
e, de repente,
varamundo com a viola
sem mais poisés, eu também tenho hora
pois telma, que carinho
deixou-me um vale-5noites
no hotel do Nada Hein
5 músicas para tomar tino
5 chopps de firmar poréns...
 
p - pro querer que vai e vem
saudade, ora puta que não convém
congas para a onça do desejo
tsunamis na memória
perigo 
é outro bj
 
vêm os neguim retirando amendoim.
 
 
 
Nenheu

domingo, 6 de novembro de 2011

Laico

Loboralismo

a segunda traiçoeira
me pôs às ruas
e zanzando
malacordado
contava a solidão
nos centavos
assim, ordeno meu dia:
cólera, coleira ou poesia

as velhas na janela
com o dia a preencher
malícia desde a hora seis:
"como que isto pode?
senil aos 33!
e o demente levanta cedo
cego d`um olho
louco do outro
esse dá trabalho pra morte"

Nenheu neves

sábado, 5 de novembro de 2011

Mureta

De uma cadeira de balanço pendem-se as horas que já se passaram. Um velho se levanta do cochilo quase eterno. Falta pouco. O tempo pesa, o tempo passa, o tempo apaga, o tempo vence. O asilo é o exílio dos guerreiros da rotina e as retinas, coitadas, mal podem focar o inimigo. O velho chega com dificuldade até a mureta do pátio. Somente essa mureta separa o asilo da creche municipal. Sossega o peito e a alma, se acalma vendo o gangorrar das crianças. Não traduz direito a imagem, mas, como um bebê que entende uma novidade, se apega ao movimento da creche. Boina, pulôver, calça e alpargata. Mureta e bengala jogada. O velho vê a fonte da juventude.



De um balanço do parquinho as horas escapam, no vai e vem da essência, nas correntes da aventura. Um moleque se levanta do transe da brincadeira. O tempo vive, o tempo pulsa, o tempo cabe, o tempo dura. A creche é a academia dos impetuosos heróis do ”era uma vez de massinha” e as meninas, enclausuradas nas masmorras, mal podem fugir dos dragões da criação. O garoto chega pulando de um pé só, na mureta do pátio. Somente essa mureta separa a creche do asilo da cidade. O peito aos pulos, a alma instigada. Não traduz direito a imagem. Aquele era o menino mais velho que jamais havia visto. Camisa, bermuda e tênis. Mureta e dimensões ampliadas. O moleque vê o rasgo da vida.

Entreolham-se, esquadrinham-se, estudam-se...


O velho sorri
Desacostumado
Envergonhado
Banguela.

O moleque acha graça
E também mostra
A sua janela.




André Vargas



Lívia Frias

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Opostos

De lados opostos, como no principio
Eu, com a cabeça cheia de minhocas
Ele, com a cachola aos ventos
Cuspo, sopro, empurro, esbravejo
Não engulo nada
Saem palavras tortas e duras
Lançadas sem cerimônia
E em seguida, a repetida ladainha
E logo vem a voz calma que apazigua tudo
Trazendo chá de camomila
Em lados opostos
O beijo salgado pelas lágrimas
De um lado os dissabores, o amargo
Do outro lado, todos os sabores de uma única vez
Sabor de  vida
No jogo do Salamê minguê a escolha já tinha sido feita.
Como no principio. 

Nathália Godoy

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O xale e a bengala

Eles eram o amor à prova do tempo, a validade, talvez, já estivesse vencida, mas ainda havia conversa, e ela ainda era boa. As conversas dos dois já foram aos gritos, xingadas, com verdades cruéis, palavras ácidas, ásperas, na cara, na lata, doesse a quem doesse, para depois vir o encontro dos pés por debaixo da coberta. Hoje falam manso, não há pressa para nada e nem a busca pela perfeição. Encontraram-se, enfim, em estado perfeito. Lugar este que a vaidade já não precisa se arrumar, as manias não precisam se envergonhar e nem a lingerie precisa ser vermelha. Plenitude, aceitação, adoração, café na xícara, remédios na hora certa, soneca na poltrona, tricô antes que a luz do sol se retire. Amor de toalha na cama sem incomodar mais. Amor de atrasos dela sem a impaciência dele, pois hoje em dia já não têm mais festas para se apressarem. O ronco dele já não a perturba, pois ela está ficando surda. A mania dela de arrumação não o importuna, pois a dor na coluna não a deixa mais fazer faxina. A boêmia dele não tira mais o sono dela, pois os companheiros de bebida dele já se foram todos. Antes ela precisava desesperadamente dele, da atenção, do carinho, da presença, e ele era do mundo. Hoje ele pede por ela, pelos cuidados, pela companhia, e ela se deu conta que não viu o mundo. Amor de olhar. Amor de ter história. Amor de testemunha. Amor de cadeira uma ao lado da outra. Amor de filhos criados, netos adultos e bisnetos a caminho. Amor de reumatismo. Amor de caminhada em passos lentos. Amor que acompanha. Amor que ama rugas. Amor que se equilibra em bengalas. Amor dos grampos nos fios brancos. Amor que já entende que nem morte dá fim. 

Nathália Godoy

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Último Pedido

“Beija a minha mão?”

Foi a última frase que eu ouvi dela. Corpo grande e frágil,esparramado em um leito desconfortável. Seu olhar era distante, embora aindatentasse encontrar nossas sombras. Triste, porém decidida, pronta. Não haviamais o que temer, nem o que esperar. Enquanto ininterruptamente pedia:

“Beija a minha mão?”

Tal qual uma criança que pede a mesma brincadeira. Mas aslágrimas coletivas nos arrancavam o riso. A ação repetitiva não nos cansava.Beijávamos, acarinhávamos, abraçávamos para darmos conta de todos os beijos ecarinhos e abraços que um dia deixamos de dar.

A hora era certa, e isso era certo para todas. Era adespedida. Era o amor e o agradecimento finais enquanto matérias presentes nomesmo espaço. Todas sabiam e, apesar da tristeza, a missão havia sido cumprida.Era chegada a hora das dores cessarem, dos corpos descansarem, das preocupaçõessumirem, do sono chegar. Finalmente todas iriam dormir em paz.

“Beija a minha mão?”

Até que se deu o último beijo e, com ele, o adeus para daquia pouco.



Carolina Gonçalves


Me mi

Um café

O café desce estalando a garganta
Não me recordo de quando me tornei tão descritivo
Quando fiquei tão discreto? Tão prescrito?
(In)concluo.

Dia frio é o meu favorito
Para só ver e sorver assovios de janelas
Cheio de detalhes entalhados vivos
Nas poucas lembranças de ser tão externo
E na doce lembrança de não ser tão nítido
Eu resfrio as juntas do dedo
E, em segredo, junto-me ao calor do frio.

Nos dias frios o olhar negro da xícara nos encara mais efusivo
De relance, mas um relançe contínuo
Realça e lança sobre nós o próprio vício.

Há pouco de mim nas paredes da constância
Estou totalmente, pelos quadros na parede, absorvido
Perdido
Absorto em só detalhar o entorno
E pelas molduras robustas perseguido.

Entorno sobre minha roupa elegante
Um gole quente e errante de vivência
Sinto queimar a pele
Sinto a pele ardente
Sinto, no limite extremo de minha vida, a clemência
Divinamente escondida
A carpe: superfície individual, a margem da doutrina, o fio do egoísmo...

O exterior, suplantando o interno nevralgico, me convida
Ao simples decorar das coisas, dos ornamentos
Ao arrepio frívolo do não-sentimento
Pois nenhuma reflexão é tão importante quanto flexionar o sujeito, o alheio, o joelho, o cotovelo...
E me convém, agora, escrever nesse espelho
Que se forma na superfície dura do mim
Do mingau
Do café
Do mundo.


Bebo o resto, peço a conta, pago e saio mudo.




André Vargas

sábado, 29 de outubro de 2011

Em torno do eixo

a mente se perdeu,
levitou acima da cabeça,
correu longe
com pernas fortíssimas
até chegar num ponto.

passeia,
olha,
sente,
escuta,
mas não cheira.

e quando o perdido
está para terminar,
volta.
como vôo de um pássaro
suave a planar.

e voltando ao seu lugar,
já não sabe mais onde.

pensamentos flutuam,
passeiam perto,
perdidos entre outros
paralelos,
se perdem.

olhou pela janela
e não reconhecia.
mais 5 segundos,
desembaça a vista.
ah! já sei...

e volta ao mundo real.
real?
seria mesmo real?
e se perde outra vez.

Lívia Frias

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Palhaço

Uma calça de losango coloridos
Com a boca balonê em baixo
Aí com uma meia por cima
Um sapato da hora
Suspensório
Uma camiseta branca
Cara pintada
Nariz nos conformes
e muita alegria.




Caio Vargas

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Xô vê...

A calçada

A poça d’água

A barra da calça molhada

As pessoas apressadas

Os guarda-chuvas em duas tomadas

Em cima guardam chuva

Em baixo, pensamentos

Vento

Homens de casacos

Mulheres de jaqueta

A criança e o passatempo

O bebê de toca rosa

Cachecol, capa e sobretudo

Um surdo-mudo falando sozinho

Um segundo de passarinho

Mulheres de minissaia

Pernas gordas respingadas

Arte temporal

Varizes e gotas de lama

Sandálias

Pés imundos

Esmaltes descascados

Calçados cansados

Mocassins

E afins

Inundação num segundo

É riqueza para se olhar

Lixo se joga no chão

Boneca a nadar

Sem os braços

Rato morto

Saco plástico

Água entrando na escola

Garota cheirando cola

Viaduto

Adulto

Maluco

Bêbado babando

Bando de trombadinhas

Trombam nas senhorinhas

Moleque a se divertir

Velha debaixo da árvore

Casca de batata pirata

Caminhão que escolhe

Molha quem se encolhe

Xingos

Mendigos dormindo

Risadas

Buzinas, silêncio do mundo

Passarela

Passa ela

Por cima da rua

Quase nua

E está frio

Vai garota do centro do Rio

Arrepio

E ela vê

E ela passa

Como o que é bom

Escada carcomida

Ferrugem nas veias da cidade

Camelô

Lonas azuis

Almas à prova d'água

Pistolas de bolha de sabão

Olha o pesado

Pesadelo

Bicicleta do velho sem emprego

Restaurante de pobre comer

A comida é joelho frio

Chinês sujo

Unha preta

Dente amarelo

Um suco de caju quente

Para empurrar a massa

Entornar no balcão

Molhar a palavra

Encharcar a sede

Inundar a alma

E, então, dizer:

- Até que é bom!

- Até que é bom!

- Até que é bom...

Chover.



André Vargas

domingo, 23 de outubro de 2011

Brincantes, por favor

meus senhores oficiais,
aos aboios, às ayabás:
auê nos olhos da moreninha
algum mal não está partindo
e faz de seu lamento, perna.

dos senhores oficiais,
a autoridade das rabecas
pifes pandeiros alfaias
é paterna.

para casos de perda
fraqueza ou festa
é favor fazer roda
homem e mulher
todos adentro
os devidos bons cumprimentos
boa noite, todos

mães, tias, donas,
meninas
licença para as flores
para as saias, palmas e cantores

eu também vou ralar coco
eu também vou pisar o coco
pegar rapaz e umbigar
tudo o que seu mestre tocar

para os casos supracitados
acredito
também
no solo, no par e no cordão
bote essa menina pra dançar
que sozinho o corpo reza
para fins de proteção


Nenheu neves

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O Bêbado

Ele parou no tropeço
Sacudindo um nada
Aplaudindo o avesso
Do sopé da escada
Balburdeia as flores
Bombardeia as fadas
Num mundo sem cores
Pra cair em si
Lembrar das dores
E concluir
Que passou.


Caio Vargas

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O contador de histórias

Inventava na hora. Seus ouvintes eram sempre individuais e na maioria das vezes mulheres, não que um complete o outro, claro, mas as mulheres, mesmo as solitárias, possuem um talento esquisito pra ouvir as coisas. E ele se aproveitava disso. Roberto tinha 35 anos e não sabia o que era trabalho há algum tempo, passava suas tardes inteiras gastando seu riocard, a única coisa de valor que lhe sobrara, contando histórias para passageiros cabisbaixos, com o rosto de quem tinha pouca atenção na vida. E tudo começava assim, sem atenção. Roberto entrava no ônibus, sentava ao lado de quem quer que fosse e começava a falar. E falava! Quando percebiam, seus ouvintes já eram realmente ouvintes, presos às peripécias de um herói, aos maus bocados de algum menino ou então a algumas mentiras envolvendo a si próprio, o que os espantava logo. Roberto vivia bem com isso. O que importava mesmo era que as histórias ficassem boas o bastante para parecer verdade, para que no fim do dia pudesse recostar sua cabeça no travesseiro magro e lembrar dos contos sem que pudesse ter algum desgosto daquilo. Numa sexta-feira, depois de ter encantado os ouvidos de alguma moça solitária, Roberto, antes que pudesse chegar à porta do ônibus, teve um susto com a parada repentina da máquina, que anunciava para todos que não sairia dali tão cedo. O tempo de reação foi curto, e antes que todos os passageiros soubessem do enguiço, já se ouvia no ar uma história. Dessa vez era diferente, todos escutavam Roberto com um prazer quase inexplicável, parecia que o enguiço tinha feito do homem a única opção de um momento bom. E que momento. Roberto contava histórias como ninguém, sua voz parecia reger as emoções dos passageiros, que já tinham virado platéia. As moças solitárias faziam par com as palavras, os fones de ouvido foram derrubados pelos acontecimentos e todos choravam, aplaudiam a cada reviravolta contada por Roberto. O ronco voltou, mas já tinha sido tempo o bastante para que tudo tivesse mudado. A platéia já prendia sua atenção ao mundo pela janela, cada recostada em cada travesseiro magro, naquela noite, seria como as de Roberto, com todo o orgulho, com toda a imaginação, com toda lembrança e com toda beleza de que são feitas as histórias.




Caio Vargas

Soneto - Queixas e deixas

Ela me deixa dormindo
Mal sabe ela que me deixa sonhando
Ela me deixa um pouquinho
A cada vez que nos falamos.

Ela me deixa e é só
Como só, eu me vejo sem ela
Ela me deixa e eu fico
A colher vida da janela.

Ela se queixa de mim
Da minha frieza, dela é o calor!
Ela se queixa de qualquer outra forma de amor.

Eu a deixo me deixar, deixo-a me dizer
Quanto mais eu puder sonhar
Mais eu tenho a lhe querer.



André Vargas

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Outono

Eu não havia dormido em casa aquela noite. Fui me esquecer na casa de um desconhecido, até hoje não me recordo bem o nome dele. Estava revoltada com tudo que andava acontecendo. Foi muito mais fácil contar a ele meus problemas, minhas angústias, ele me ouviu bem. Até porque depois dali, seríamos mais ninguém, nem para um nem para o outro. Ele me deu a companhia, os ouvidos que eu queria e eu a ele, dei meu corpo.
No dia seguinte, resolvi voltar para casa. Ao colocar os pés onde me pertencia e fazer um baita barulho ao entrar, batendo com força o portão de metal, ouço meu pai gritar da cozinha perguntando se eu havia errado o caminho.
Entrei sem falar e fui direto ao meu quarto. Tudo estava no mesmo lugar. Parecia que o tempo não havia passado. Eu não queria estar ali.
Olhar de novo aquelas paredes me fazia lembrar tudo o que eu me forçava a esquecer, era de sufocar. E pra onde mais fugir?
Sem dinheiro, sem profissão. Ao menos tivesse cultivado mais amores e amigos, haveria ao menos um canto para me recolher. Mas nem isso eu tinha.
Aquela noite em que fugi não parava de voltar à cabeça, como um cd arranhado, que repete um trecho da música 300 vezes se você não der stop. Eu não tinha saída.
E ao perceber a minha situação, caí ao chão com falta de ar de tanto soluçar. Chorei feito criança. Estava largada no chão, sem mais esperanças naquele quarto escuro, onde esperava por mais uma noite de abuso e sofrimento.

Lívia Frias

Ela e o Vento

Ela e o vento eram inseparáveis
Conversando sem trocar palavras
Se tocando de uma maneira divina
Na qual perdia-se as travas
Até que a calmaria cruzou a esquina
E acabou com o assunto
Na solidão a menina
Na saudade do conjunto
Saudade das coisas que o vento dizia nos cachos dela
Como a força do ar dizia tudo sem fala
E o choro que não dava trela
Incrível como a tarde cala
Até que alguém apaga a vela
E um tufão tagarela
Chega pra lhe encher de vida
E bagunçar sua sala.


Caio Vargas

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Beleza do Ser

Ser feliz é simplesmente ser

O que você quiser!

Que faça os outros felizes

E acima de tudo você


Ser verdade

Sem vaidade por si só

Serenidade

E um pouco de dó

Dó maior


Guilherme Braga

Livrar

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Cem no chão - um conto na mão

Achei uma nota de cem na rua. Esperei para ver se o dono vinha. Não veio. É minha! Andei mais uns oito passos e comprei um maço de importado. Nicotina de qualidade, não vende no posto Ipiranga. Larguei daquela mocréia e paguei uma mais cara, e a cara era perfeita. Parecia artista da Globo! E era uma danada. Sabia o que fazia e fazia com gosto. Mas um galo, com essa dona, fugiu do meu achado. Guardei o outro galo no bolso. Estou magnata e tudo é breve. Mas mantenho um sorriso leve. E um olhar retardado no rosto. A chuva parou e o sol apareceu. Quem sabe? Fui à praia! Nem gosto, mas fui... Com meus óculos escuros de ver bundas sem virar o pescoço. Elas não percebem, mas sentem... Sei que sentem. Eu como com os olhos e sou olho grande! Ganhei cerveja de graça da dona da barraca e o Mate Leão estava três por cinco. A água do mar estava morna e cristalina, nem precisava urinar. O mijo era luxo excedente. A vida estava um brinco e eu queria era brincar. Meu bronze ficou no tom. Voltei para casa e o almoço estava pronto e quente. Cheirava a delícia e acompanhava uma aguardente. O banho era quente e a cama era só minha. Beleza de nota de cem que alguém ficou sem! Que culpa eu tinha? Se eu um dia achar um conto no chão aí é que fico bamba. Viro empresário. E paro de escrever. Afinal, um conto já estaria pronto e na manga.


André Vargas

Seja bem vinda!


Dor no peito, palpitações, suor nas mãos. Já é anunciada a partida. Ela é pega de surpresa. Já está na hora? Tão cedo! Logo hoje! O doutor avisou há umas semanas atrás, ela jurava que era a mulher maravilha, desse mal ela não padeceria. Sentença decretada, fato consumado. Pouco tempo para despedida, sem palavras para despedida, e nem pensou em roupa para a partida. Mas chegou tão rápido, ela pensou. Pensou que teria mais dias, ainda diria aquelas palavras, pediria aqueles perdões, pagaria aquelas dívidas. O que fazer com as contas para pagar? Com a roupa para lavar? Com as unhas para pintar? Tantas miudices! Tantos detalhezinhos dessa vidinha tão medíocre, antes tão importantes, tão em cima da hora, tão imprescindíveis, e hoje, perdem a urgência, perdem a necessidade. Seu único desejo era que quando a hora chegasse não estivesse sozinha, mas o marido tinha uma reunião importante, a filha tinha aula de ballet, o filho tinha prova na faculdade. Quem poderia suspeitar que a hora dela fosse logo agora. Ela percebe como a vida continua. Enquanto ela espera pela bendita o mundo a sua volta se movimenta, e vai continuar a rodar quando ela se for. Os filhos vão crescer, os velhos vão envelhecer, a poluição vai aumentar, a dívida externa vai subir, os cães vão latir, flores desabrochar, a temperatura vai subir e depois diminuir, o mundo ainda vai viver, em seu curso normal. Nada vai se alterar com sua partida. Ninguém vai parar por ela, as reuniões ainda serão importantes, as aulas de ballet imperdíveis, e as provas inadiáveis. Ao constatar tamanho vazio, torceu por um fim. Nenhuma história para contar, nem fotos e nem fatos. Quando ela se deu conta, sua insignificância a engolira. Sua miudeza perante a vida a havia levado embora, não havia sobrado nada. E enfim, confortou-se, era então, bem vinda aquela visita.

Nathália Godoy

domingo, 16 de outubro de 2011

Intimidade

Uma varinha

De dar em lombo de guri

Treme antes de sair

Da árvore.


E o guri

De levar varinhada no lombo

Treme ao subir(fugindo) no tronco

Da árvore.


Árvore de fugir

Árvore de penalizar

Intimidade no amor é conhecer quem te faz chorar.


É o tremer temendo - das pernas

E o tremendo temer - das folhas

Intimidade no amor é o castigo escolher

Que doa!




André Vargas

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Contagem regressiva

Décimo andar. Aponta o ponteiro. Eu moro aqui. Escolhi esse apartamento, pois nessa altura o vento é mais forte e frio. As portas se debatem e, tremem de medo, as janelas. O ronco vultoso de Deus me mantinha acordado. Vivo. Ainda. Ah, as grandiosas Janelas! Meu caprichoso capricho! Não sei como cheguei a elas. Arrepio.

Nono andar. Descemos bem devagar. Como os últimos dias úteis, que me furtavam a vida aos poucos. Inúteis como somar. Nesse andar morava um saxofonista. Ele tocava antes de chorar. Mas chorava mais alto e bonito. Pobre homem, pobre homem! Essa canção tão batida.

Oitavo andar. Andar dos cachorros. As donas - todas iguais - sempre se juntavam nas reuniões. Sentiam-se fortes como dobermans e em seus colos, poodles! Faziam reivindicações. Latiam. Rosnavam. Mordiam. Todas num só andar. “Andar do cão!”, eu dizia. “Cadelas carentes”, eu pensava. Fecho os olhos com força.

Sétimo andar. Não me recordo de quem morava ali. Cogito um velho moribundo. Covarde para partir em vida. Esperando a morte levar seu corpo, que já não é vivo há muitas existências. Ou um viciado. Ou um sem serviço. Ou um casal apaixonado... Suspeitos! Quem sabe o monstro que mora no, sempre, desconhecido? "Estou perdido!". Reabro os olhos.

Sexto andar. Morava um moleque chato e uma mãe linda. Os outros vizinhos não são tão chatos quanto o guri, nem tão lindos quanto a mulher. Não vale a pena me lembrar destes. Mas essa mulher povoou meu pensamento quando cheguei aqui e resquícios de vontades me invadiam a qualquer momento. Ainda agora consigo a imaginar nua. "Vadia! Mulher de merda.". Minha querida, linda, mulher!

Quinto andar. Morava aqui uma senhora que vendia quentinhas. Falta de amor. Falta de sexo. Falta de ar. Falta de dinheiro... Mas desabrochava humor a qualquer. Traste ou boa praça. Era temperada de graças. Graças a Deus! Santa senhora! Risonha, educada... Feliz! Vai viver até uns cento e vinte... E cozinhando! Fazia-me lembra de minha saudosa mãe pela candura. Metade do caminho percorrido! Rompem-se os tímpanos.

Quarto andar. Os playboys universitários. Nenês em fraldas. Mamadeiras de vodka. Mimos dos pais. Ricos do interior. Darão bons advogados, com certeza! Merda para se pisar e feder. A distância desse futuro ingrato já me deixa feliz. A distância de qualquer futuro é um assombroso alívio e uma estranha esperança. Desse andar já consigo ver os ladrilhos, os canteiros, as flores, a terra. E consigo imaginar esses enfeites em cima de mim.

Terceiro andar. Andar da síndica. Mulher de meia idade. Sem romance e sem paixão. "Desgraçada!". Rainha das multas e das sanções. Passa rápido esse andar. "Essa puta devia estar aqui comigo!". O vento é quente. O ponteiro aponta o chão.

Segundo andar. Perco o ar. Duas lágrimas caem. Chegarão antes de mim. As veias saltam. Um puto joga um resto de maçã pela janela. Isac Newton!

Primeiro andar. Último arrepio. O coração pára. Ali morava Clara. Ela vai saber. Ela vai chorar dias e dias. Tenho certeza! Vai se desesperar, enlouquecer... Pobre Clara. A culpa é minha!


...


Térreo. - Minha mãe, eu vim!






André Vargas

Cetim rosa

A máquina gira, gira sem parar
até sentirmos cheiro de fumaça
e explodir.
O tempo não parou
não parou meu amor!
E o caminho segue.
Como uma reta,
seguimento de pontos.
O momento é falho,
os músculos contraem,
e a gota cai.
Pegue um lenço,
coma um doce,
que os sorrisos logo voltarão
a sorrir naquele apê.
Onde nada aconteceu.

Lívia Frias

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Um gole de prata

Prata na corrente que carrega ao pescoço. Crucifixo sem batismo pendurado, perdoado. Encostado ao balcão, jogado, desgostoso. Pede mais uma dose de qualquer rasgo, qualquer tipo amargo paga! Poucos pelo saguão. Nulos pelas mesas. Sobras sob o balcão. O bar é o reflexo do que sente antes de dormir. Vazio. Uma aspirina, uma insônia, um trago de fim de gimba, uma luza acesa, um curto espaço de sono e sonha só brevidades. Muitos e muitos desencontros, o barman sabe de cor os seus entraves. Bebe, numa talagada só, toda a aguardente servida pela milésima vez, mas deixa no fundo uma lágrima sua, um gole duro de pura prata. O nó na garganta, porém, continua. Joga umas notas no balcão e acena. Saí de cena trombando no cenário. E foge do bar que não aliviou o caos do tempo. Chove por fora e por dentro. A rua é escura e os postes piscam. Trovoadas. Testa os caminhos de lamas de volta para casa... Erra todos! Erra de vida. A divida consigo é maior do que os planos. Iam viajar esse ano! Acha, por acaso, o fio da volta no resto de suas migalhas, nem mesmo os pombos quiseram comer de seus resquícios. Mora no beco escuro, rua sem saída. Até a sua casa está dividida e as crianças não dão mais risadas na porta de entrada. Chega zonzo, mas, dessa vez, dorme feito pedra. Jogado no chão sujo e frio preparado por Deus. Aquele mesmo Deus, pai de seu crucifixo. Aquele Deus de prata. Aquele Deus que mata. Aquele Deus que nunca foi seu.



André Vargas

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Por que...

O que ficou pelo caminho

O começo

O meio

O fim

As sobras

Tanta coisa ainda há

Do pouco que sinto



Lorena Brites

Desleixo

Comover-me

É como ver a mim mesmo

Andando a esmo

Mesmo andando por cá.


Desamarrados tênis

Para tropeços

Amarrotadas calças

Para passar

Meias cansadas, manchadas

Nos calcanhares

Muitos lugares

E sou de nenhum lugar

Pelos na cara

A crescerem com o tempo

E pouco tempo

Para me pentear

Camisas tolas

De desenhos felizes

Caminham sós de tanto eu as usar.


Desleixo

Deixo a roupa suja no sexto

Mas recolho a minha vida da corda

Antes mesmo de ela secar.




André Vargas

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

creme ocidental

umberto belém. bom de Bic.
ex religioso unidos sem cacife
tarde qualquer
na fila do tédio
veio um poeminha de portão 
pariu no papel um clássico
reciclável, concreto, sua solução:
acendeu
e explodiu!
tomou a vaga brasileira
no concurso público pra Poetas do Brasil
(às más línguas,
seu mês agora engorda cinco mil)
a vida agora é essa
delírio no batente
cafezinho sem pressa
e bicando o país pra frente
ontem mesmo
belém deu uma mão
contra a dívida mobiliária
descolando uma campanha
da própria cara :
cobre o aluguel da estante
saque o poeta
no instante.


Nenheu Neves

domingo, 9 de outubro de 2011

Ser

O que me intriga é saber,
que existe algo
além do Céu,
que não podemos ver.

Viver na vida como se vive,
aceitar a condição de ser
sem entender a função, inibe.

Buscando propósitos,
nas mais místicas hipóteses
e vivendo de medos pragmáticos.

Em tudo que há,
em tudo o que é,        
no que já não se sabe.

A verdadeira razão do porquê,
o real sentido do como,
O motivo do quê,
a clareza de ser.

Lívia Frias

Tempo de errar

Aqui sinto medo

De me perder de mim

Em segredo, em segredo

Inseguro

Festim.



Aquilo que quero

Posso nunca tocar

Um segundo, um segundo

O tempo de errar.




André Vargas

sábado, 8 de outubro de 2011

Antônia

Te olhando assim, nem dava para descobrir.

O que havia por trás das suas risadas, sua voz mansa e seus sutis gestos com as mãos. Queria saber por que você me escondeu isso tudo.

Quando me veio a notícia, me senti o maior culpado de vê-la doente. Aquele seu estado que me arrepiava, nem suporto lembrar de ver seus ossos protuberantes por passar semanas sem se alimentar direito. Me dava frio no estômago, e eu me perguntava: "- O que eu deixei passar?". Você me parecia tão bem. Todos os dias em que nos víamos eu lembrava sempre de olhar em seus olhos antes de me despedir. E a princípio, o que era verdade para mim e estava claro, você era feliz. Por mais úmidos que ficassem os seus olhos em certos momentos nossos, juntos, eu voltava pra casa com a certeza de que os veria brilhar novamente. Pode ser que eu não tenha lhe dado a devida atenção, de não ter olhado como realmente deveria, um admirar leviano de apaixonado. Talvez esse tenha sido o meu maior erro. Não perceber, cegar meus olhos e não enxergar os seus, quando a todo o momento você me dizia não estar bem. Eu sei que você foi sincera a todo custo, mas eu não me dei conta, foi tarde. E sentado ali naquela cadeira eu te esperei, por semanas se recuperar e voltar a me abraçar como se acolhesse num ninho. Mas você não voltou.

E foi a primeira vez que estive com você a todo momento.



Lívia Frias

Hiato

Um dia te fiz um mau, mulher

Daqueles irreparáveis

Honrei meu papel de homem

Fui covarde.


Fui honestamente cruel

Como sempre é a verdade

Fui um hiato em sua vida

Fui covarde.



André Vargas

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Primeira vez

Para começar, me arrisco
Para arriscar, me atiro
No tiro, frio na barriga
E a vontade logo que termine
Começo assim sem saber o que começar
As crônicas já não dão mais conta
Namoro em prosa
Invento histórias
Remendo contos
Conto os segundos
Respiro fundo
E enfim, poesia!


Nathália Godoy

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Tempo

O tempo desgasta

As solas de suas sandálias

No chão das nossas cucas

Arrasta seus pés cansadamente

E deita na rede dos sorrisos

Enrugando o canto seco

Em nossas bocas.


O tempo é o velho de chapelão

Que, melancólico, vai pela calçada

O tempo é a todo tempo

Nada.


O tempo é a ferida inflamada na perna

O mato no casco do potro

O tempo é a todo tempo

Outro.



Andre Vargas

Felizes para sempre

O grande dia chegou! Flores, enfeites, pais satisfeitos, a Igreja repleta de convidados e as passagens compradas para Paris. Já é o dia do casamento e a dúvida ainda pairava sobre as cabeças deles. Logo eles, os protagonistas do espetáculo ainda não sabiam se casavam ou se compravam bicicletas. Um de cada lado, o noivo e a noiva, a espera da sentença. A vida inteira condenados, a vida inteira amarrados, a vida inteira feita em um único dia. Depois da lua de mel teriam os filhos, as brigas, as contas, as louças, o chuveiro para consertar, a roupa para lavar, o cachorro para levar para passear, a dor de cabeça como desculpa. De vestido de cetim, ela está pronta. De terno e gravata, ele está a postos. Alianças em ouro branco, papéis para assinar, testemunhas no altar. Os noivos se olham por entre o véu dela, na busca de alforria, na busca do que só eles ali percebiam. Os dois fogem até a Casa & Vídeo mais próxima, as bicicletas estão em promoção.



Nathália Godoy

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Que Homem

Eu sou o que todo homem é

Um misto de querer e dever ser

E com isso,

Sou o que deu pra ser

Longe do perfeito

Perto do medíocre

Um pouco mais educadinho aqui

Um tanto gente boa ali

E nada mais


Guilherme Braga

SEM MAIS PALAVRAS

Por tudo que se falou,

e que não se fez,
mas se sonhou
É por isso e muito além disso,
O que soou foi inaudito
O que se falou é indizível,
O que ainda há em mim
e transpõe-se da minha carne,
O que restou será timbrado!


Lorena Brites

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Andarilhas

Intrigantes são as nuvens
Elegantes com seu vestido macio
A cada passo leve
Guiadas pelo vento, pelo frio
Esperadas e observadas pelo domingo
Molhando os pés do meio-fio
Se desfazendo a cada pingo
Basta ser nuvem pra saber o que é a imensidão.



Caio Vargas

A louca


É dessas mulheres que faz varredura nos bolsos do marido, cheira colarinho, procura resquícios nas cuecas. Uma verdadeira hacker no computador do coitado. Vai atrás, se disfarça, espia. Não encontra. Fuxica mais, abre gavetas, lê velhas cartas, investiga passados, interroga suspeitos, faz levantamento de dados, tudo para justificar seus conflitos. Na sua loucura falsifica evidências, ensaia a cena do crime, forja provas, leva o caso a júri popular. Ao fim do dia está cansada, não se aguenta, nem se olha mais no espelho. Não é mais ela. É pura melancolia e agonia. Está exausta demais para ser feliz. Respira fundo. O marido chega de braços abertos. Ela desconfia de todo amor, talvez não suporte ser feliz.


Nathália Godoy