Inventava na hora. Seus ouvintes eram sempre individuais e na maioria das vezes mulheres, não que um complete o outro, claro, mas as mulheres, mesmo as solitárias, possuem um talento esquisito pra ouvir as coisas. E ele se aproveitava disso. Roberto tinha 35 anos e não sabia o que era trabalho há algum tempo, passava suas tardes inteiras gastando seu riocard, a única coisa de valor que lhe sobrara, contando histórias para passageiros cabisbaixos, com o rosto de quem tinha pouca atenção na vida. E tudo começava assim, sem atenção. Roberto entrava no ônibus, sentava ao lado de quem quer que fosse e começava a falar. E falava! Quando percebiam, seus ouvintes já eram realmente ouvintes, presos às peripécias de um herói, aos maus bocados de algum menino ou então a algumas mentiras envolvendo a si próprio, o que os espantava logo. Roberto vivia bem com isso. O que importava mesmo era que as histórias ficassem boas o bastante para parecer verdade, para que no fim do dia pudesse recostar sua cabeça no travesseiro magro e lembrar dos contos sem que pudesse ter algum desgosto daquilo. Numa sexta-feira, depois de ter encantado os ouvidos de alguma moça solitária, Roberto, antes que pudesse chegar à porta do ônibus, teve um susto com a parada repentina da máquina, que anunciava para todos que não sairia dali tão cedo. O tempo de reação foi curto, e antes que todos os passageiros soubessem do enguiço, já se ouvia no ar uma história. Dessa vez era diferente, todos escutavam Roberto com um prazer quase inexplicável, parecia que o enguiço tinha feito do homem a única opção de um momento bom. E que momento. Roberto contava histórias como ninguém, sua voz parecia reger as emoções dos passageiros, que já tinham virado platéia. As moças solitárias faziam par com as palavras, os fones de ouvido foram derrubados pelos acontecimentos e todos choravam, aplaudiam a cada reviravolta contada por Roberto. O ronco voltou, mas já tinha sido tempo o bastante para que tudo tivesse mudado. A platéia já prendia sua atenção ao mundo pela janela, cada recostada em cada travesseiro magro, naquela noite, seria como as de Roberto, com todo o orgulho, com toda a imaginação, com toda lembrança e com toda beleza de que são feitas as histórias.
Caio Vargas
talento esquisito pra ouvir as coisas foi ótimo...
ResponderExcluirBem legal, Caio! Dê prosa e sê poesia!
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