segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Seja bem vinda!


Dor no peito, palpitações, suor nas mãos. Já é anunciada a partida. Ela é pega de surpresa. Já está na hora? Tão cedo! Logo hoje! O doutor avisou há umas semanas atrás, ela jurava que era a mulher maravilha, desse mal ela não padeceria. Sentença decretada, fato consumado. Pouco tempo para despedida, sem palavras para despedida, e nem pensou em roupa para a partida. Mas chegou tão rápido, ela pensou. Pensou que teria mais dias, ainda diria aquelas palavras, pediria aqueles perdões, pagaria aquelas dívidas. O que fazer com as contas para pagar? Com a roupa para lavar? Com as unhas para pintar? Tantas miudices! Tantos detalhezinhos dessa vidinha tão medíocre, antes tão importantes, tão em cima da hora, tão imprescindíveis, e hoje, perdem a urgência, perdem a necessidade. Seu único desejo era que quando a hora chegasse não estivesse sozinha, mas o marido tinha uma reunião importante, a filha tinha aula de ballet, o filho tinha prova na faculdade. Quem poderia suspeitar que a hora dela fosse logo agora. Ela percebe como a vida continua. Enquanto ela espera pela bendita o mundo a sua volta se movimenta, e vai continuar a rodar quando ela se for. Os filhos vão crescer, os velhos vão envelhecer, a poluição vai aumentar, a dívida externa vai subir, os cães vão latir, flores desabrochar, a temperatura vai subir e depois diminuir, o mundo ainda vai viver, em seu curso normal. Nada vai se alterar com sua partida. Ninguém vai parar por ela, as reuniões ainda serão importantes, as aulas de ballet imperdíveis, e as provas inadiáveis. Ao constatar tamanho vazio, torceu por um fim. Nenhuma história para contar, nem fotos e nem fatos. Quando ela se deu conta, sua insignificância a engolira. Sua miudeza perante a vida a havia levado embora, não havia sobrado nada. E enfim, confortou-se, era então, bem vinda aquela visita.

Nathália Godoy

2 comentários:

  1. É sempre duro, como engolir pedra, ler seus contos... (me senti bebendo dessa sua fonte de contos amargos e verossímeis e realistas em alguns dos meus recentes textos!)Mas são cápsulas grandes de se travar nas nossas gargantas, que são quase necessárias para continuar!

    São assim seus contos, duros de engolir e necessários de existir!

    Beijos!

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