sábado, 5 de novembro de 2011

Mureta

De uma cadeira de balanço pendem-se as horas que já se passaram. Um velho se levanta do cochilo quase eterno. Falta pouco. O tempo pesa, o tempo passa, o tempo apaga, o tempo vence. O asilo é o exílio dos guerreiros da rotina e as retinas, coitadas, mal podem focar o inimigo. O velho chega com dificuldade até a mureta do pátio. Somente essa mureta separa o asilo da creche municipal. Sossega o peito e a alma, se acalma vendo o gangorrar das crianças. Não traduz direito a imagem, mas, como um bebê que entende uma novidade, se apega ao movimento da creche. Boina, pulôver, calça e alpargata. Mureta e bengala jogada. O velho vê a fonte da juventude.



De um balanço do parquinho as horas escapam, no vai e vem da essência, nas correntes da aventura. Um moleque se levanta do transe da brincadeira. O tempo vive, o tempo pulsa, o tempo cabe, o tempo dura. A creche é a academia dos impetuosos heróis do ”era uma vez de massinha” e as meninas, enclausuradas nas masmorras, mal podem fugir dos dragões da criação. O garoto chega pulando de um pé só, na mureta do pátio. Somente essa mureta separa a creche do asilo da cidade. O peito aos pulos, a alma instigada. Não traduz direito a imagem. Aquele era o menino mais velho que jamais havia visto. Camisa, bermuda e tênis. Mureta e dimensões ampliadas. O moleque vê o rasgo da vida.

Entreolham-se, esquadrinham-se, estudam-se...


O velho sorri
Desacostumado
Envergonhado
Banguela.

O moleque acha graça
E também mostra
A sua janela.




André Vargas

4 comentários:

  1. e eu fiquei assustada c/ esse texto. susto com cara de susto. principalmente no final, susto que eu tomo com a naranjita de manduka, com cena muda da bethania, com os arranjos do clube da esquina, susto que eu tomo com o chacal, miró, discursos obscuros do ze ramalho... emocionante, apavorante. esse blog, com todos seus membros, é um privilégio

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  2. Um espelho,reflexo, dois lados, os opostos, a vida e a morte, o início e o fim, tudo tão perto, um do lado do outro, que o novo muito rápido fica velho.

    Sensível demais. O final parece imagem de desenho animado!

    Parabéns!

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