segunda-feira, 2 de julho de 2012

As botas que vão bater


É a última estação para o ser humano. O fim da linha. Começam as despedidas, os últimos conselhos, as últimas lembranças. Enfim, a decrepitude! Ponto de partida ou chegada?

É tempo do cheiro de alfazema vencida, ou será naftalina? Ou ainda uma pomada qualquer, para remediar assaduras ou a alma já sem cura.

Nos olhos a vida passa embaçada. A TV voltou a ser sem cores e já nem sei mais o que se passa nela. Chega para meus olhos reconhecerem pessoas jamais antes vistas. Teimam em me fazer recordar, contam-me sobre aventuras nunca vivenciadas antes por mim. Será que falam de outro alguém? Posso jurar que minha vida começou no instante que sai do banheiro e caminhei até esta cama. De que vida elas falam?

Caminho em passos lentos nesta última estação. A impressão que dá é que vivi o tempo inteiro só este dia. Já se passou o natal? Já se passou fevereiro? Já se passou minha vida?

Já não sei onde habito, o que habito e porque ainda habito.  Viram-me, me despem, me trocam, me tocam, sem autorização. Me dão de comer, de beber, me medicam e já nem sei para que servem os cuidados. Cuidam ou livram-se da culpa? Amam ou apenas seguem os sagrados mandamentos?

De que adiantou uma vida inteira? De que me adiantaram os cem anos? De que me serviu tanta prevenção e medo? Para quê todo amor que senti? E tanto ressentimento acumulado? Se nada tenho deles, além do seu fim. 

2 comentários:

  1. Magnífico, coisas que não sabemos, tema e perspectiva geniais (como eu não pensei nisso antes?), mas os elogios que eu te digo têm perdurado somente até o próximo texto que desbanque e sempre tem desbancado... Os seus passos vão se "acompridando". Este texto é daqueles que, quem escreve ,amadoramente como nós, se sente vencido e ultrapassado!
    Você é sempre uma grata surpresa para mim! Você já é das pessoas que eu gostaria de ler o livro (e espero que seja logo).

    Minha admiração e orgulho são seus!

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