Eles eram o amor à prova do tempo, a validade, talvez, já estivesse vencida, mas ainda havia conversa, e ela ainda era boa. As conversas dos dois já foram aos gritos, xingadas, com verdades cruéis, palavras ácidas, ásperas, na cara, na lata, doesse a quem doesse, para depois vir o encontro dos pés por debaixo da coberta. Hoje falam manso, não há pressa para nada e nem a busca pela perfeição. Encontraram-se, enfim, em estado perfeito. Lugar este que a vaidade já não precisa se arrumar, as manias não precisam se envergonhar e nem a lingerie precisa ser vermelha. Plenitude, aceitação, adoração, café na xícara, remédios na hora certa, soneca na poltrona, tricô antes que a luz do sol se retire. Amor de toalha na cama sem incomodar mais. Amor de atrasos dela sem a impaciência dele, pois hoje em dia já não têm mais festas para se apressarem. O ronco dele já não a perturba, pois ela está ficando surda. A mania dela de arrumação não o importuna, pois a dor na coluna não a deixa mais fazer faxina. A boêmia dele não tira mais o sono dela, pois os companheiros de bebida dele já se foram todos. Antes ela precisava desesperadamente dele, da atenção, do carinho, da presença, e ele era do mundo. Hoje ele pede por ela, pelos cuidados, pela companhia, e ela se deu conta que não viu o mundo. Amor de olhar. Amor de ter história. Amor de testemunha. Amor de cadeira uma ao lado da outra. Amor de filhos criados, netos adultos e bisnetos a caminho. Amor de reumatismo. Amor de caminhada em passos lentos. Amor que acompanha. Amor que ama rugas. Amor que se equilibra em bengalas. Amor dos grampos nos fios brancos. Amor que já entende que nem morte dá fim.
Nathália Godoy
nathália, te adoro
ResponderExcluirme empresta?
ResponderExcluirhahaha! como diz um poeta que eu conheço " é do mundo"
ResponderExcluirum conforto de prosa
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