quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Xô vê...

A calçada

A poça d’água

A barra da calça molhada

As pessoas apressadas

Os guarda-chuvas em duas tomadas

Em cima guardam chuva

Em baixo, pensamentos

Vento

Homens de casacos

Mulheres de jaqueta

A criança e o passatempo

O bebê de toca rosa

Cachecol, capa e sobretudo

Um surdo-mudo falando sozinho

Um segundo de passarinho

Mulheres de minissaia

Pernas gordas respingadas

Arte temporal

Varizes e gotas de lama

Sandálias

Pés imundos

Esmaltes descascados

Calçados cansados

Mocassins

E afins

Inundação num segundo

É riqueza para se olhar

Lixo se joga no chão

Boneca a nadar

Sem os braços

Rato morto

Saco plástico

Água entrando na escola

Garota cheirando cola

Viaduto

Adulto

Maluco

Bêbado babando

Bando de trombadinhas

Trombam nas senhorinhas

Moleque a se divertir

Velha debaixo da árvore

Casca de batata pirata

Caminhão que escolhe

Molha quem se encolhe

Xingos

Mendigos dormindo

Risadas

Buzinas, silêncio do mundo

Passarela

Passa ela

Por cima da rua

Quase nua

E está frio

Vai garota do centro do Rio

Arrepio

E ela vê

E ela passa

Como o que é bom

Escada carcomida

Ferrugem nas veias da cidade

Camelô

Lonas azuis

Almas à prova d'água

Pistolas de bolha de sabão

Olha o pesado

Pesadelo

Bicicleta do velho sem emprego

Restaurante de pobre comer

A comida é joelho frio

Chinês sujo

Unha preta

Dente amarelo

Um suco de caju quente

Para empurrar a massa

Entornar no balcão

Molhar a palavra

Encharcar a sede

Inundar a alma

E, então, dizer:

- Até que é bom!

- Até que é bom!

- Até que é bom...

Chover.



André Vargas

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